E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são, de fato, Israelitas (V:6)
A partir do Versículo de número 6 Paulo começa a desconstruir a ideia de
alguns Judeus de que apenas pelo simples fato de possuírem descendência física
de Abraão, estariam irrevogavelmente justificados ou salvos no mérito de tal descendência. Como escreve C. Hodge: “Era a opinião
dentre os Judeus, de que, a promessa de Deus, sendo feita a Abraão e à sua descendência,
todos os seus descendentes selados, pelo rito da Circuncisão, poderiam
certamente entrar nas bênçãos do Reino messiânico[...]”[1]. E não apenas isso,
Paulo também vai de encontro a ideia de que ser povo de Deus era uma
prerrogativa exclusivamente herdada por direito de nascimento; contudo o que os
Judeus precisavam compreender era que NEM TODOS OS DE ISRAEL SÃO DE FATO
ISRAELITAS. Paulo se utilizando de tal expressão desejava demonstrar um sentido
mais restrito do Termo Israelita/Israel.
A explicação dos sentidos do termo Israelita/Israel
“A razão consiste na distinção dos judeus e em sua dupla classificação em respeito a esta divina palavra e propósito, ou a partir da dupla descendência de Abraão, da qual somente uma foi compreendida naquela palavra e propósito. “Pois”, ele diz, “nem todos que são de Israel são Israel: nem por serem descendência de Abraão, eles são todos filhos”: mas há, entre eles, alguns “filhos da carne” e outros “filhos da promessa”; de onde conclui-se – se a palavra de Deus não abrange a todos os israelitas em uma característica, ela não falha, mesmo que alguns, dentre si, possam ser rejeitados; e muito menos, se eles são rejeitados de quem fica evidente, da palavra em si, então eles nunca foram compreendidos nela”[5].
Paulo utiliza-se de dois tipos[6] procurando provar o seu argumento, como afirma Armínio: "O apóstolo, então, prova que a palavra da promessa e da aliança compreende somente os filhos da promessa, à exclusão dos filhos da carne, e isto por um tipo duplo, um tomado da família de Abraão e o outro da família de Isaque. Contudo, duas coisas são pressupostas no argumento em ambos os casos, ambos apoiados pela autoridade do apóstolo, que deve ser considerada sagrada por nós. A primeira, que Ismael e Isaque, e Esaú e Jacó, devem ser considerados, não em si mesmos, mas como tipos naquelas passagens que ele apresenta. A outra, que eles são tipos dos filhos da carne e da promessa [7]". Ou seja, os filhos da Carne são prefigurados na pessoa de Ismael e os Filhos da Aliança são prefigurados na pessoa de Isaque. Ainda discorrendo sobre a importância da compreensão dos tipos na Figura de Isaque e Ismael, Armínio ressalta:
"Dessas coisas que estão sendo pressupostas, a força do argumento do apóstolo consiste na concordância entre os tipos e antítipos,[...] Mas deve-se observar que esta concordância consiste, não em sua semelhança exata, mas em sua mútua conexão e relação, sendo preservada a diferença adequada entre o tipo e o antítipo. Dou esta advertência para que ninguém possa pensar que seja necessário que aquele que representa os filhos da carne, deva ser ele mesmo um filho da carne, pelo modo da mesma definição[8]".
Analisaremos a seguir, de forma mais detalhada, a continuação do Argumento do Apóstolo Paulo.
Primeiro Tipo Utilizado Por Paulo
E nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos. Mas em Isaque será chamada a sua descendência. Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa, Porque a palavra da promessa é esta: por esse tempo virei e sara terá um filho (V:7-9)
Paulo ao afirmar: ‘E nem por serem descendentes de a Abraão são todos
seus filhos’; enfatiza que nenhum dos descendentes físicos de Abraão são
necessariamente herdeiros da promessa feita a este. Daniel Gouvêa salienta que
o versículo 7 “introduzido pelo uso da conjunção coordenada negativa (Nem por serem descendentes[...])
é uma negativa ao pensamento de muitos dos Israelitas dos dias de Paulo.
Enquanto estes pensavam que estavam irrevogavelmente justificados no mérito da
descendência de Abraão (Jo 8:33-39), o apóstolo nega isso como no versículo 6,
porém, agora, com mais especificidade”[9]. Essa especificidade é notada no uso do
termo σπέρμα 'Αβραάμ (Gr:
semente, filhos, descendência, prole) de Abraão. Todavia, Paulo, na
mesma perícope, explicita quem são os verdadeiros Filhos de Abraão
Quem São os Verdadeiros Filhos da Promessa?
Quando atentamos para a história que envolve os nascimentos de Isaque e Ismael percebemos claramente a diferença dos acontecimentos que circundam os nascimentos dos mesmos. Se por um lado o nascimento de Isaque foi extremamente miraculoso e antecedido por uma promessa, por outro lado, percebemos a maneira apressada e extremamente leviana e consequentemente carnal – Envolvendo o esforço/obra humano – por de trás do nascimento de Ismael. Entretanto, em Gênesis 21:12 Deus deixou claro para Abraão que a sua ‘verdadeira’ descendência estaria em Isaque e não em Ismael; ‘Mas em Isaque será chamada a tua descendência’. A distinção entre os Filhos da Promessa-Filhos da Carne é realizada por Paulo, também de forma explícita, no versículo de número 8 e é ressaltada já no inicio de tal perícope através da expressão "Isto é, estes filhos de Deus"; tal expressão, (filhos de Deus), "pode, sem dúvidas, indicar posse ou procedência, podendo ser entendido como "os filhos que são de Deus e procedem de Deus"[10]. Paulo ao usar o termo ‘os filhos da promessa’, evidencia o fato que o
nascimento de Isaque é antecedido por uma promessa realizada por Deus e desta ele deriva, “promessa aqui representa a graciosa obra de Deus, feita para
o homem, não porque o homem mereça ou tenha se esforçado (ou possa herda por descendência
física) alguma coisa de Deus, mas porque Deus Simplesmente disse”[11]. Isto posto, “as promessas de Deus não têm falhado, por que elas são baseadas em seu próprio chamado, e não segundo o chamado, vontade e desejo humano”; Deus chama[12] os da verdadeira linhagem de Isaque e rejeita ou despede os da falsa (Ismael), Ou seja, de forma análoga, como afirma Bornschein: “A promessa sempre está relacionada a
com a “fé”, e nunca com as obras”. Conclui-se
logicamente que “Os filhos da promessa não são os simples descendentes de
Abraão, mas aqueles que creem em Jesus Cristo”[13]; Portanto, a estes são direcionadas as bençãos prometidas a Abraão, pois os tais foram chamados pelo próprio Deus. O Apostolo com tal alegoria deixa bem claro que na história Deus já chamou alguns e rejeitou outros descendentes físicos e legítimos de Abraão, e no presente momento isso também estava ocorrendo, pois Paulo estava se dirigindo a um coletivo de Judeus que estavam individualmente rejeitando o seu evangelho, e certamente cada um era responsável por isso (Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação. pág, 73). Por outro lado, aquele coletivo de Judeus que estavam individualmente atendendo ao chamado divino, estes eram os verdadeiros Israelitas/Israel, estes eram os filhos da Promessa. Armínio Comentando sobre a distinção que Paulo realiza concernente aos Filhos da Carne e aos Filhos da Promessa Escreve:
Por meio de silogismo de refutação Armínio sintetiza este primeiro argumento da seguinte maneira :
"Assim, este argumento, ao refutar a objeção judaica, pode ser construído. – Se a palavra de Deus compreende apenas os filhos da promessa, à exclusão dos filhos da carne, então segue-se que a palavra de Deus não falhou, mesmo se os filhos da carne são rejeitados: ela, na verdade, teria falhado se a tivessem recebido aqueles que são excluídos pela condição da aliança; – Mas a palavra de Deus compreende somente os filhos da promessa, à exclusão dos filhos da carne; – Portanto, a palavra de Deus não falhou, mesmo que os filhos da carne sejam rejeitados. Por consequência, também, – A palavra de Deus não falhou, mesmo que a maioria dos judeus seja rejeitada, desde que sejam abrangidos no número dos filhos da carne, e que eles são incluídos deste modo é evidente a partir da descrição dos filhos da carne. Esta descrição dos filhos da carne e da promessa é tão clara a partir das Escrituras, que não necessita de mais discussão. Mas os fundamentos das provas podem ser procurados a partir dos capítulos 4, 9 e 10 desta epístola e nos capítulos 3 e 4 da Epístola aos Gálatas"[18].
"os filhos da carne são considerados pelo apóstolo, estranhos a aliança, e os filhos da promessa são considerados participantes da aliança. [...] Dos filhos da carne se diz, neste lugar, pelo apóstolo, serem aqueles que, pelas obras da lei, resultam depois a justiça e a salvação. Desta forma, também, o consequente é sustentado, sendo deduzido de sua doutrina concernente à justificação e salvação pela fé em Cristo. Pois não se segue, a partir disso, que alguns dos judeus são rejeitados, a não ser por esta marca distintiva, ou seja, que eles não creem em Cristo, mas seguem após a justiça da lei. Mas os filhos da promessa são aqueles que buscam a justiça e a salvação pela fé em Cristo"[14].
Através de tal alegoria, Paulo está procurando estabelecer a justificação pela Fé em Cristo, procurando ressaltar a ligação entre Fé e promessa em detrimento as obras/esforço humano no livro de Gênesis[15] e esse contraste é fortemente declarado e estabelecido por toda a epístola de Romanos, especialmente no capítulo 4[16]. Daniel gouvêa ao comentar a primeira analogia de Paulo escreve:
"Então, em seu primeiro exemplo, Paulo demonstra que Deus era justo em rejeitar descendentes de Abraão, como no caso de Isaque e Ismael. Também observamos que existia um verdadeiro "Israel" dentro do Israel étnico, e o compromisso de Deus sempre foi com estes verdadeiros Israelitas, ou seja, os da Promessa ou da Fé (devemos lembrar que a fé está associada a tal promessa), e não com os da carne, descendentes de Ismael (que fora notoriamente fruto de uma obra humana precipitada e descrente da promessa feita por Javé no episódio da escrava Hagar)"[17].
Por meio de silogismo de refutação Armínio sintetiza este primeiro argumento da seguinte maneira :
"Assim, este argumento, ao refutar a objeção judaica, pode ser construído. – Se a palavra de Deus compreende apenas os filhos da promessa, à exclusão dos filhos da carne, então segue-se que a palavra de Deus não falhou, mesmo se os filhos da carne são rejeitados: ela, na verdade, teria falhado se a tivessem recebido aqueles que são excluídos pela condição da aliança; – Mas a palavra de Deus compreende somente os filhos da promessa, à exclusão dos filhos da carne; – Portanto, a palavra de Deus não falhou, mesmo que os filhos da carne sejam rejeitados. Por consequência, também, – A palavra de Deus não falhou, mesmo que a maioria dos judeus seja rejeitada, desde que sejam abrangidos no número dos filhos da carne, e que eles são incluídos deste modo é evidente a partir da descrição dos filhos da carne. Esta descrição dos filhos da carne e da promessa é tão clara a partir das Escrituras, que não necessita de mais discussão. Mas os fundamentos das provas podem ser procurados a partir dos capítulos 4, 9 e 10 desta epístola e nos capítulos 3 e 4 da Epístola aos Gálatas"[18].
Notas___________________________________________________
[1] Charles Hodge, Commentary on the Romans, P. 304
[3] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 69.
[4] O capítulo 9 de Romanos visa contra-argumentar uma objeção levantada pelos Judeus concernente a Justificação pela Fé em Cristo Jesus. Tal objeção é apresentada na (Part 1) Link:
https://lucasamaciel.blogspot.com/2020/04/uma-interpretacao-de-romanos-9-dentro.html
https://lucasamaciel.blogspot.com/2020/04/uma-interpretacao-de-romanos-9-dentro.html
[5] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 23-24
[6] A tipologia é um tipo especial de simbolismo. (Um símbolo é algo que representa outra coisa.) Podemos definir um tipo como um "símbolo profético" porque todos os tipos são representações de algo ainda futuro. Mais especificamente, um tipo nas Escrituras é uma pessoa ou coisa no Antigo Testamento que prenuncia uma pessoa ou coisa no Novo Testamento. A Tipologia Bíblica busca identificar, reconhecer e interpretar símbolos, tipos e alegorias das Escrituras Sagradas. https://www.gotquestions.org/Portugues/tipologia-biblica.html
[7] Ibid. pag, 27
[8] Ibid. pag, 28-29
[6] A tipologia é um tipo especial de simbolismo. (Um símbolo é algo que representa outra coisa.) Podemos definir um tipo como um "símbolo profético" porque todos os tipos são representações de algo ainda futuro. Mais especificamente, um tipo nas Escrituras é uma pessoa ou coisa no Antigo Testamento que prenuncia uma pessoa ou coisa no Novo Testamento. A Tipologia Bíblica busca identificar, reconhecer e interpretar símbolos, tipos e alegorias das Escrituras Sagradas. https://www.gotquestions.org/Portugues/tipologia-biblica.html
[7] Ibid. pag, 27
[8] Ibid. pag, 28-29
[9] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pag, 70-71
[10] Ibid. pag, 73.
[11] Robert Picirilli, Romanos. Pag, 177.
[12] Grant Osborne afirma que a expressão "em Isaque será chamada"(v 7) não reflete apenas o título pelo qual a prole de tal descendência seria chamada, antes, reflete o chamado do próprio Deus.
[12] Grant Osborne afirma que a expressão "em Isaque será chamada"(v 7) não reflete apenas o título pelo qual a prole de tal descendência seria chamada, antes, reflete o chamado do próprio Deus.
[13] Fred. R. Bornschein, A Oliveira Santa. Pag, 35.
[14] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 24, 25,26.
[15] bem sabemos que devido ao fato de Abraão ter crido na promessa que Deus realizou a ele (Gênesis 15), isso lhe foi imputado para Justiça.
[16] Romanos 4:1-5, 12, 14, 16, 24; 8: 16,17,21
[17] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pag, 76.
[18] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 25-26
[14] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 24, 25,26.
[15] bem sabemos que devido ao fato de Abraão ter crido na promessa que Deus realizou a ele (Gênesis 15), isso lhe foi imputado para Justiça.
[16] Romanos 4:1-5, 12, 14, 16, 24; 8: 16,17,21
[17] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pag, 76.
[18] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 25-26



