terça-feira, 14 de abril de 2020

Uma Interpretação de Romanos 9 na Cosmovisão Soteriológica Arminiana (Part 1)



Preâmbulo do Capítulo de Romanos 9

Antes de apresentarmos uma interpretação Arminiana de Romanos 9[1], precisamos entender dois pontos que são crucias para que possamos interpretar tal Capítulo

Em primeiro lugar, como salienta Armínio: “O escopo principal do Capitulo é o mesmo de toda a Epístola: Que o evangelho, não a lei, é o poder de Deus para a salvação, não para aquele que pratica uma boa obra, mas para aquele que crê, uma vez que no evangelho a Justiça de Deus é manifesta na obtenção da salvação pela fé em cristo"[2].

Em segundo Lugar: Paulo ao longo do respectivo capítulo irá refutar uma objeção que determinados Judeus, contrários a sua doutrina, haviam realizado, demostrando que tal objeção possuía uma dupla falha; "o princípio inquestionável que os judeus utilizaram como suporte à sua objeção, não só não era prejudicial à sua causa, mas era até mesmo bastante favorável a ela"[3].

A Objeção dos Judeus

Armínio em sua carta destinada a Gellius Snecanus comentando sobre o capítulo 9 de romanos, discursa sobre essa objeção levantada pelos Judeus: “Se a maioria dos judeus é rejeitada, a palavra de Deus tem que falhar; – Mas não é possível que a palavra de Deus falhe; – Portanto, a maioria dos judeus não foi rejeitada” [4]. Comentando sobre o que fez levar alguns Judeus elaborar essa objeção, Armínio Escreve: “O Apostolo Paulo havia proposto uma doutrina que, necessariamente, incluía a rejeição dos judeus numa medida muito considerável, a saber, a justiça e a salvação devem ser obtidas pela fé em Cristo, não pelas obras da lei. Foi fácil para os judeus deduzirem disso: “Se a justiça e a salvação consistem na fé em Cristo, a quem Paulo prega, segue-se que os judeus, em sua maior parte, são rejeitados da aliança”[5].

Interpretação Arminiana de Romanos 9
Digo a verdade não minto, testemunhando comigo no Espirito Santo, a minha própria consciência: Tenho grande tristeza e incessante dor no coração, porque eu mesmo desejaria ser anátema, separado de cristo por amor de meus irmãos, meus compatriotas, segundo a carne (V: 1-3)
Os versículos iniciais de Romanos 9 são necessários para que possamos entender todo o respectivo capítulo, “dissociar o teor dos primeiros versículos de Romanos 9 do restante do capítulo pode trazer sérios prejuízos ao intérprete” (Daniel Gouvêa. Pag, 51)[6]. Paulo se utiliza de dois termos para expressar e deixar evidenciando ao leitor o seu sentimento que permearia todo o seu posterior discurso-argumentativo: grande tristeza (gr: tristeza, angústia como estado da mente) e incessante dor (gr: dor, sofrimento que implica em angústia e opressão do coração). A necessidade de Paulo em deixar nítido seus sentimentos, antecedendo o seu discurso-argumentativo, mostra que o mesmo desejava evitar que o seu leitor conjecturasse uma satisfação e alegria de Paulo na defesa do argumento "que Deus estava rejeitando o seu povo"; Paulo estava deixando bem claro a sua profunda tristeza nesse fato 'a rejeição de "Israel" por Deus'. Essa profunda tristeza também é expressa no versículo 3, como Calvino escreve: “Paulo, não hesitou o desejar para si mesmo a condenação que viu recair eminentemente sobre os judeus, a fim de libertá-los”. O desejo de Paulo de ser anátema era completamente verdadeiro, pois no versículo 1 ele inicia o seu discurso ressaltando que o testemunho da sua consciência diante da situação dos judeus era realmente profundo e consequentemente verdadeiro; contudo tal desejo – de ser anátema – era impossível de ser cumprido, e Paulo sabia muito bem dessa impossibilidade, tanto é que a construção gramatical realizada por Paulo apresenta essa consciência “[...] Desejaria ser, constitui [...] uma construção comum no grego e denota a expressão de um desejo real, porém impossível de cumprir”[7].
São Israelitas. Pertence-lhes a adoção e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas; deles são os patriarcas, e também deles descende o cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito para todo Sempre, amém! (V: 4-5)
O Apóstolo nos versículos 4-5 explica o porquê de sua profunda tristeza quanto a presente[8] rejeição de Israel. “certamente, a intensa e constante tristeza do apóstolo deve-se ao fato de que os judeus, que no presente estavam sendo rejeitados por Deus, foram no passado receptores de suas grandes bênçãos”[9]. Essas benção são elencadas por Paulo, conhecidas e afirmadas pelos Judeus, sendo elas:

São Israelitas: Paulo evidencia que em apenas ser Israelita, isso já constituía uma benção. Os filhos de Israel são o povo escolhido, aqueles que descendem dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó. Não apenas isto, o próprio  nome Israel já designava a especial relação de Deus com tal povo

Pertence-lhes a adoção: Por todas as Sagradas escrituras notamos o relacionamento paternal de Deus com a nação de Israel

A gloria: Refere-se as inumeráveis manifestações da presença de Deus entre o povo da Aliança

As Alianças: Paulo neste momento faz alusão àquelas que Deus fez com Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés e Davi “O uso do plural provavelmente se refere não à aliança feita com Moisés no Sinais ou com Abraão, mas todas as alianças feitas com os antepassados dos Israelitas no A.T"[10].

A legislação: A Lei foi entregue ao povo de Israel diretamente por Deus por intermédio de Moisés

O culto: Paulo enfatiza que os serviços nos templos e a liturgia de culto foram instruídos como uma benção para facilitar a adoração comunitária e o sistema sacrificial diante do povo de Israel

As promessas: As citações referentes as promessas realizadas por Deus ao longo da carta de romanos estão especialmente centradas naquelas feitas a Abraão, por isso, em virtude do contexto da carta e principalmente dos capítulos 9-11, faz sentido entender que as promessas aqui mencionadas sejam as promessas Abraâmicas

De quem são, ou a quem pertencem os patriarcas: A herança da nação veio através deles, e por meio deles, os hebreus se tornaram o povo especial de Deus

e também deles descende o cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito para todo Sempre, amém!: As esperanças de nação de Israel sempre foram depositadas sobre a figura do Ungido ou Messias prometido. O uso Paulino de (Cristo) para Jesus visava afirmar seu significado como uma figura divinamente aprovada, que age como agente escatológico de Deus. A referência a cristo (Segundo a Carne) constitui uma ligação entre o Messias como sendo descendente dos patriarcas. A natureza do relacionamento entre Jesus e os Israelitas é defina, isto é, física. Não obstante isso não limita a messianidade de Jesus que é divina, e é sobre todos, Deus bendito para todo Sempre, amém!; conforme salienta Daniel Gouvêa:
“Essa expressão demonstra o senhorio Cósmico de Deus sobre a criação. Ele é o senhor sobre o universo e sobre a história, e sobre todos os seres bons e maus que habitam a criação. Paulo queria estabelecer de uma vez que aquele em que os judeus não estavam crendo era simplesmente o próprio Deus. Dessa forma, pode-se compreender o tom de profundo amor, solenidade e tristeza de Paulo, pois os Israelitas que naquele momento negavam a justificação pela fé em Jesus Cristo, estavam inevitavelmente sendo rejeitados pelo senhor[...] todavia, Paulo vai demonstrar que, diante de tal situação de incredulidade, Deus é perfeitamente Justo em Rejeitar os Judeus"[11].






Notas
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[1] Irei realizar uma série de Postagens discorrendo sobre Tema. Pretendi assim fazer para evitar que o texto se tornasse longo e cansativo para o leitor.
[2] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag,14.
[3] Ibid. pag,17-18.
[4] Ibid. pag,16.
[5] Ibid. pag,17.
[6] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; 128 pág.
[7] Ibid. pag, 54.
[8] C. Marvin Pate em seu comentário sobre o livro de romanos faz um paralelo entre o passado e o presente concernente a relação entre Deus–Israel e Deus–Gentios, afirmando que Paulo pretendia deixar bem claro que no passado Deus demonstrou sua misericórdia para com os filhos de Israel e ira para com os filhos dos gentios; no entanto, no presente, Deus estava demonstrando misericórdia para com os filhos dos gentios e ira para com os filhos de israel.
[9] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pag, 55.
[10] Ibid. pag, 58.
[11] Ibid. pag, 62-63.


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