quinta-feira, 10 de junho de 2021

A Certeza da Salvação em Jacó Armínio (Part 1)



Antes de apresentarmos a Teologia de Armínio concernente a certeza da Salvação, é necessário fazermos referência aos fatos que o levaram a formulá-la. Armínio, enquanto exercia o seu ministério em Amsterdã, observou dois problemas extremamente graves que estavam assolando as igrejas reformadas. O primeiro problema que fora notado por Armínio, era de que muitas pessoas não possuíam confiança em sua eleição, o segundo, era diametralmente oposto ao primeiro, muitas pessoas possuíam uma exagerada confiança em sua salvação. Visto a tamanha gravidade desses dois pontos de vistas concernente a certeza ou convicção da salvação, Armínio se referia a eles como “dois dardos inflamados de satanás”, as “duas pestes da religião das almas” e “os dois grandes males a serem evitados em toda a religião”.


Desperatio


O primeiro problema notado por Armínio, e que vale ressaltar, era um problema pastoral contínuo nas igrejas reformadas do período pós-reforma é relatado da seguinte maneira por Stanglin[1]:

“Em uma carta a seu amigo Johannes Uytenbogaert, Armínio narra sua experiência enquanto ministrava aos membros da igreja em Amsterdã que estavam sofrendo da praga mortal de 1602. Armínio relembra que dois cristãos, um homem e uma mulher, que estavam extremamente doentes, mas que não conheciam um ao outro e que ambos não conseguiam sentir em seus corações “a certeza (certitudinem) da remissão de pecados”. Eles temiam por sua salvação, não possuindo aquele conforto divino que eles desejavam na vida e morte. Ambos foram vencidos pela mágoa, não que eles estivessem desesperados ao ponto de perder sua fé, mas eles não sentiam a certeza necessária para sua salvação”

Não obstante, Armínio os descreveu como verdadeiros crentes, e que devido a isso, principalmente em tal momento, deveriam mais do que qualquer outro tipo de pessoa, estar descansados convictos de sua salvação; mas se encontravam em um estado que ele denominava de wanhope (Holandês) ou desperatio (Latim), ou seja, “desespero” ou “ausência de esperança”. No momento que eles mais necessitavam da certeza, eles não conseguiam encontrá-la. Tal estado “não apenas significa uma falta de esperança, mas também a opinião de que a coisa desejada – neste caso, salvação – é impossível de se obter”.


Securitas


Quanto ao segundo problema Percebido por Armínio:

“Ele recordou vezes quando ele admoestou cristãos a abandonarem seus caminhos pecaminosos e se arrependerem, somente para ser lembrado por seus párocos de que “não era necessário que eles se preocupassem muito sobre a questão ou que profundamente se lamentassem sobre o pecado”. Afinal de contas, o pecado sempre fez parte da vida cristã, mesmo para Paulo. [...] Por todas estas razões, parece que a pessoa não precisaria se preocupar muito uma vez que Deus seria gracioso. Como muitos outros cristãos antes e após ele, tal atitude descuidada frustrou Armínio durante seu tempo como pastor e o preocupou nos anos subsequentes”.

A esse estado Armínio denominava de Sorgloosheyt (Holandês) ou Securitas (Latim). Ambas as palavras significam, “segurança” ou “Ausência de cuidado”. É importante ressaltar que a palavra "segurança" em Latim como na tradição Cristã comumente possuía conotações negativas como por exemplo: negligência, presunção e arrogância; diferentemente dos dias atuais, que significa algo bom - exclusivamente. Isso se deve ao fato de que a expressão passou a ser usada pelos teólogos Reformados, cada vez mais, para indicar uma virtude positiva, não obstante, segundo Stanglin, tal palavra significa literalmente “falta de cuidado, incluindo a ideia de negligenciar algo que realmente merece atenção [...] Significa ser indiferente quando se deve prestar atenção. Significa ser complacente e dormir quando se deveria estar vigilante e alerta”. Ele assevera:

“Tertuliano, João Crisóstomo, Jerônimo, Agostinho, Leão, o Grande, Gregório, o Grande, Isidoro de Sevilha, Rábano Mauro, Bernardo de Claraval, Tomás Aquino, Gabriel Biel, Desidério Erasmo e Lutero advertiram contra a “segurança”. De fato, até mesmo os proponentes da eleição incondicional advertiram contra a “segurança”. Agostinho adverte novos crentes que seu batismo significa remissão de pecado, não permissão para pecar. Para Gregório, o sentimento de “segurança” transgredi o limite do que é apropriado”.

As Causas dos Problemas


Para Armínio, a causa do desperatio era consequência direta de três doutrinas reformadas concernente a salvação. 

  • Em Primeiro lugar, a fé salvadora, na perspectiva reforma, inclui não apenas conhecimento e concordância, mas também uma certeza confiante. Não apenas isso, as vezes a certeza era vista como sinônimo de fé.

  • Em segundo lugar, a doutrina da fé temporária. Calvino em suas instituas defendeu que uma pessoa poderia pensar possuir uma verdadeira fé e até mesmo poderia parecer aos outros ter fé, quando na realidade era apenas uma fé temporária concedida por Deus “sem a intenção de ser perseverante, mas seria retirada por ele”. 

  • Terceiro, a doutrina da condenação/reprovação incondicional. Segundo Stanglin, “A doutrina reformada da eleição incondicional reivindica que Deus elege a quem ele quer salvar, baseado não nas boas obras de tais pessoas, ou na fé prevista, ou mesmo no livre assentimento de tais pessoas. A consequência necessária dessa eleição é que Deus incondicionalmente reprova, ou talvez “passa por cima”, do restante da humanidade, o resultado da qual é a condenação. A única maneira para escapar da condenação é ser escolhido por Deus”. Conforme Armínio argumenta, sabendo que a eleição é incondicional, não existe absolutamente nada que o réprobo possa realizar para se encontrar em um relacionamento salvo com um Deus que não os elegeu.

Quanto as causas do Securitas, Armínio também compreendia que três eram os fatores responsáveis por tal estado.

  • Em primeiro lugar, a Santificação na perspectiva reformada, baseada principalmente em uma interpretação de Romanos 7, era compreendida de forma que o progresso era mínimo na vida de um Cristão, se assemelhava a passos como de bebês. Embora o Cristão regenerado, com auxílio do Espirito santo, deva e é capaz de dar passos para a santificação.

  • Em segundo Lugar, a Eleição Incondicional. “Afinal de contas, se alguém é eleito desde a eternidade, e se essa eleição não possui condição alguma do lado humano, não existe nada que possa ser feito para separar o eleito do amor de Cristo. Se alguém estiver confiante em sua eleição, então a salvação está segura. Ainda mais, se é errado duvidar da eleição e é uma virtude ser confiante, e se a certeza é um componente da fé, então pode ser ainda mais virtuoso ser mais confiante".

  • Por fim, “Se a pessoa se torna parte do povo do pacto, o povo escolhido por Deus, pela graça irresistível somente em separado de boas obras, então quantidade alguma de más obras ou ausência de boas obras pode anular tal eleição e pacto”. Essa é a doutrina reformada da perseverança dos santos, que é uma consequência natural da eleição incondicional.

Na Compreensão de Armínio, o estado de Securitas era muito mais perigoso do que problema do desespero[2], devido a razão de que a pessoa em desespero ao menos concorda que há um problema e em virtude disso, pode tentar buscar ajuda Pastoral, por exemplo. Em contra partida, “a pessoa segura, por definição, nem sequer admite um problema”. Sem contar o temor que Armínio possuía ao lidar com um crente em "desespero", pois Alguém liberto das corretes do desespero, poderia cair subsequentemente para o outro lado, em segurança e negligência. A segurança e desespero era visto por Armínio como dois extremos do mesmo espectro. Contudo, o meio entre esses extremos, “é a virtude da verdadeira esperança que produz certeza ou convicção”.











Notas
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[1] Para um maior aprofudanemto recomendo as obras de Keith D. Stanglin "Perseverança dos Santos" e "Jaco Armínio; Teólogo da Graça", ambas publicadas pela Editora Reflexão.
[2] "Deve ser enfatizado que a atitude de pensar em alguém como desesperançosamente réprobo ou, na outra direção, vivendo seguramente em pecado enquanto a graça abunda, não é o objetivo pastoral da teologia reformada. Sempre é possível que pessoas pecaminosas possam pegar uma sã doutrina e transformá-la em pedra de tropeço. Mas Armínio falava sério acerca destas atitudes como sendo justas implicações da soteriologia reformada. Apesar de os reformados não terem objetivado tais resultados, contudo, eles são resultados lógicos e, tendo por base seu ministério, resultados reais. E se estas consequências são validamente inferidas, então há algo errado com a teologia. Conforme o próprio Armínio dizia: “Nada pode ser verdadeiro a partir do qual uma falsidade pode ser, por boa consequência, concluída" (Stanglin; Perserverança do Santos. Ed; Reflexão.)

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