sexta-feira, 26 de junho de 2020

Uma Interpretação de Romanos 9 na Cosmovisão Soteriológica Arminiana (Part 5)



Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade? (V. 19)

Uma outra objeção, que poderia ser lançada ao seu argumento anterior, é antecipada por Paulo “De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade” (V: 19). Essa objeção procuraria enfatizar que se Deus ele endurece a quem quer, não há culpa naqueles que são endurecidos pois isso faz parte da sua vontade; ou seja, Deus não pode justamente encontrar culpa naqueles que são endurecidos por Sua própria vontade onipotente” [1]. Conforme frisa Armínio: Assim, existe uma contínua proposição dessa espécie – Se ninguém pode resistir à vontade de Deus, então Ele não pode justamente encontrar culpa naqueles a quem Ele endurece de acordo com aquela vontade [2]. Armínio procurando estabelecer uma base previa para a resposta de Paulo a essa objeção, ele discorre sobre a elucidação de duas questões extremamente importantes; em primeiro lugar, quem são aqueles que em que Deus pode encontrar culpa com Justiça? E em segundo lugar, Se, e de que maneira, quem são endurecidos pela vontade onipotente de Deus podem ser considerados isentos daqueles que se encontram culpa?.

Procurando esclarecer a primeira questão, Armínio deixa claro que apenas e exclusivamente devido ao pecado Deus poderá encontrar culpa com Justiça, assim ele escreve: “A causa adequada da ira divina, e que, por conta da qual Deus pode censurar com justiça a qualquer um, é o pecado”[3]. Entretanto, o pecado precisa se correlacionar com alguma Lei vigente, e não apenas isso, a Lei precisa ser justa. Se uma lei não é justa de hipótese alguma poderá ser imputado algum pecado a sua violação/transgressão. Segundo Armínio, para uma lei ser justa necessariamente requer dela duas condições; ela precisa ser promulgada por alguém que possua autoridade e, que seja possível a realização e o cumprimento da mesma – incluindo nesse segundo aspecto a inexistência de qualquer decreto impeditivo/interveniente que impossibilite de realiza-la. Isto posto, Armínio deixa estabelecido que o pecado é algo necessariamente voluntário:

“O pecado é uma transgressão voluntária da lei”, que o pecador, uma vez que poderia evitá-lo (eu falo agora do ato), o comete, de sua própria culpa. Por conta de um pecado deste tipo, e a um pecador deste tipo, Deus pode repreender com justiça. Se esta condição for removida, Deus não poderá repreender com justiça um homem por causa do pecado, e, na verdade, o homem [nesta condição] não pode cometer pecado”[4].

Portanto, segundo Armínio, estes são aqueles que nos quais Deus pode encontrar culpa com Justiça. Concernente a segunda questão: “Se, e de que maneira, quem são endurecidos pela vontade onipotente de Deus podem ser considerados isentos daqueles que se encontram culpa?”, Armínio ressalta que a onipotência – de Deus –  “Não acompanha a vontade, considerada em todos os aspectos, pois Deus quer que Sua lei seja obedecida por todos, o que nem sempre é feito; como também, em Deus não há duas vontades mutualmente contraditórias[5] “uma das quais deseja que a sua lei deve ser obedecida por todos, e a outra, que não deve ser obedecida”. Levando em consideração tais pontos Armínio ele afirma que segundo as Escrituras e conforme salientando anteriormente:

“Nada é mais comum na Escritura, do que [o fato de que] os pecadores, ao perseverarem em seus pecados contra a longanimidade de Deus, que os convida ao arrependimento, são aqueles a quem Deus quer endurecer”[6].

Assim sendo, se Deus move a vontade do homem ao endurecimento e o impulsiona a tal estado isso é suficiente para isenta-lo da Justa ira de Deus, ou seja, “se ali existir qualquer força de impulso divino, que seja seguida pela inevitável necessidade de fazer aquilo para o qual ele [o homem] é movido” ao homem não poderá ser atribuída a culpa pela transgressão da Lei. Por outro lado, se ele comente o que conforme a vontade e desígnios de Deus merece o Endurecimento do livre-arbítrio, ele está sujeito a culpa e é digno da ira “mesmo se puder ser endurecido por aquela vontade que não pode ser resistida. Pois, resistindo, e isso livremente, a vontade divina, revelada na palavra, que pode ser resistida, ele é trazido para aquela necessidade do decreto divino, também revelado na palavra, que não pode ser resistido e, assim, a vontade de Deus é feita com relação a ele, por quem a vontade de Deus não é feita”[7].

Para refutar a objeção dos Judeus, Paulo se utiliza de um outro exemplo, para mais uma vez, e de forma inequívoca, estabelecer a Justiça de Deus no que diz respeito a sua rejeição aos descendentes físicos de Abraão. Comentando sobre a refutação de Paulo a objeção supracitada, Armínio enaltece o fato que Paulo não procurou em nenhum momento respostas evasivas, “de modo que ele não pudesse refutar a própria objeção”, muito menos, evolveu o assunto com tamanhas dificuldades “para que ele pudesse coagir e restringir o objetor, aterrorizado pela dificuldade do assunto”, pelo contrário, “mas ele mais apropriadamente e efetivamente refutou toda objeção. Eu me atreveria a afirmar que em toda a Escritura nenhuma objeção é mais suficientemente
Refutada”[8].

Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? (V. 20)

Neste momento o Apóstolo começar de fato a responder a possível objeção que poderia ser levanta pelo Judeus. Paulo, aparentemente, no versículo de número 20, faz referência a dois trechos de Isaías, sendo eles: Isaias 29:16 “Que perversidade a vossa! Como se o oleiro fosse igual ao barro, e a obra dissesse do seu artífice: Ele não me fez; e a coisa feita dissesse do seu oleiro: Ele nada sabe” e Isaias 45:9 “Ai daquele que contende com o seu Criador! E não passa de um caco de barro entre outros cacos. Acaso, dirá o barro ao que lhe dá forma: Que fazes? Ou: A tua obra não tem alça”. Segundo Daniel Gouvêa: “Na passagem de Isaías 45:9, o profeta está demonstrando como tema central do capítulo a “futilidade de qualquer oposição ao plano de Deus” (e isso estava sendo feito pelo “oponente” de Paulo em Rm 9). Isaías 29:16, que é de fato a âncora de Paulo para o versículo 21, fala acerca do Juízo de Deus contra o povo de Israel por não ter confiado em Deus, mas, antes, ter confiado nos recursos políticos e nas riquezas provindas das nações pagãs. Por isso é que o Senhor diz a Isaías 29:16 “Que perversidade a vossa! Como se o oleiro fosse igual ao barro, e a obra dissesse do seu artífice: Ele não me fez; e a coisa feita dissesse do seu oleiro: Ele nada sabe”[9].

Sobre o motivo e aplicação que fez Paulo fazer menção ao A.T Daniel Gouvêa comenta:

“É pertinente Paulo usar essas menções do Antigo Testamento aqui, pois assim como em Isaías os Israelitas estavam dependendo de seus próprios esforços e não dos meios de Deus para salvação, em Romanos 9 o mesmo acontece, pois, os Israelitas estavam dependendo de seus próprios méritos de descendência abraâmica para salvação e não do único meio que Deus escolheu para salvar, isto é: a justificação pela fé em Cristo. Portanto, nessas condições seria fútil aos judeus dos tempos de Paulo, assim como foi aos do tempo de Isaías, se opor ao Juízo de Deus”[10].

Portanto, Segundo Armínio, “A resposta do apóstolo é dupla. Por um lado, reprovando o objetor em razão de sua própria indignidade e aquela da objeção; por outro lado, refutando a objeção”. Armínio esboça que a natureza da reprovação da objeção levantada pelos Judeus é triplice “a reprovação, sua razão e a prova de sua razão”.

A Reprovação: Na forma de pergunta, a reprovação é apresentada com as seguintes palavras: Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?!.

Conforme Daniel Gouvêa, muitos estudiosos entendem que Paulo ao fazer uso da expressão (ó homem), “procurava demonstrar um deliberado contraste entre o homem e Deus. Demonstrando, desta forma, que esse tipo de objeção é baseado na perspectiva humana”[11]. Armínio também compreende assim ao resumir da seguinte maneira a intenção das palavras de Paulo:

“Isto é, considere, ó homem, quem és tu e quem é Deus, e compreenderás que tu és indigno de responder a Deus desta maneira. Difamar tão excelente doutrina de modo tal a acusar a ira de Deus de ser injusta e desculpar inteiramente o homem, foi resistir a Deus em Sua própria face e se opor mais diretamente a Ele”[12].

Notamos claramente a indignação do Apostolo Paulo ao “homem” que levantou tal objeção, ao ponto de severamente repreendê-lo.

A Razão: Da seguinte maneira a razão é emitida pelo Apostolo Paulo: Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?

Paulo faz questão de comparar Deus e o homem. Se por um lado o homem é o objeto formado, Deus é quem formou tal objeto. Devido a essa razão, é leviano, afrontoso e completamente reprovável ao homem responder Deus assim.

“Nesta comparação, o apóstolo dá a razão pela qual não é adequado para o homem, como “a coisa formada”, responder assim a Deus, como para “Aquele que o formou”, como se ele dissesse, “pois não é permitido à coisa formada dizer Àquele que a formou, ‘Por que me fizeste assim?’. Assim também, não é permitido a ti, ó homem, responder a Deus desta forma. Pois tu nada mais és do que um barro e um verme da terra, uma coisa feita por Deus, mas Deus é Aquele que te fez e te formou”[13].

Prova de sua razão:

Portanto, assim como oleiro tem direto e poder sobre sobre o vaso, Deus possui todo direito e poder sobre o que ele formou, nesse caso, sobre aquilo de que ele formou. Não apenas isso, a comparação realizada por Paulo procura estabelecer que Deus tem o direito sobre a sua própria criatura, assim como tem o oleiro. Armínio Resume estes pontos escrevendo assim:

“Se o oleiro tem poder para, da mesma massa, fazer um vaso para honra e outro para desonra, não é para ti, a coisa formada, dizer para Aquele que te formou: Por que me fizeste assim? – Mas o oleiro tem esse poder; – Portanto, etc”. Em segundo lugar: “Se o oleiro tem esse poder sobre o barro, então Deus também tem o mesmo poder sobre os homens, ou melhor, sobre aquilo do qual Ele estava prestes a formar ou fazer os homens; – Mas o primeiro é verdadeiro; – Portanto, o último também é verdadeiro”. Por isso, também “não é para o homem replicar contra Deus: por que me fizeste assim?”, ou fazer esta objeção em razão da qual o apóstolo reprova e repreende o objetor”[14].

Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra? (V. 21)

O versículo de número 20 é uma explicação para a comparação que Paulo usa no seu argumento contrário a objeção dos Judeus. Em primeiro lugar é importante destacarmos que era muito comum dentre os Judeus a figura de vasos para honra – para fins nobres – e vasos para desonra – fim desprezíveis. Em segundo lugar, sem dúvidas o barro representa Israel. Portanto, Paulo ao se utilizar deste exemplo pretendia fazer com que os Judeus compreendessem que ao longo da História Deus sempre possuiu vaso de honra (Crentes) e vasos de desonra (Incrédulos) dentre o povo de Israel, ou seja, entre os Judeus não haviam somente utensílios de honra, mas os de desonra também. A expressão honra (τιμὴν) e desonra (ἀτιμίαν) aplicada a utensílios, fora utilizada por Paulo em 2Tm 2:20: “Ora, numa grande casa não há somente utensílios (Gr: vasos, ferramentas, domesticas, utensílios caseiros) de ouro e de prata; há também de madeira e de barro. Alguns, para honra; outros, porém para desonra”. Entretanto, de acordo com o contexto posterior (V.21): “Assim, pois, se alguém a si mesmo se purificar destes erros, será utensílio para honra, santificado e útil ao seu possuidor, estando preparando para toda boa obra”. Isso significar dizer que os utensílios de desonra que consta no (V.20) poderiam vim a ser utilizados para fins de honra. Paulo fazendo referência aos vasos para honra e para desonra em Rm 9 tinha em mente a mesma ideia expressada nos versículos 20-21 de 2Tm. Além do mais, como destaca muito bem Daniel Gouvêa:

 “Vale lembrar ainda que tanto Paulo como os Judeus certamente estavam familiarizados com o texto de Jeremias 18, em que a figura do oleiro com os vasos é também usada em referência a Israel. Nesta passagem, observamos que na visita de Jeremias a casa do oleiro, o vaso estraga-se em suas mãos (v.4), e o problema obviamente não está no oleiro, mas no barro. O oleiro reutilizou o barro como bem lhe apareceu, não jogando fora e pegando outro (v.4). Assim, o senhor pode remodelar seu povo de acordo com o seu comportamento (vs 7-10). Contudo, seu povo espantosamente rejeitou ser “remodelado” por Deus mantendo uma atitude rebelde (11-16). Consequentemente o povo seria punido por tal rebeldia (v.17)”[15].

Portanto, Paulo usa a metáfora do oleiro e dos vasos para deixar claro que ninguém pode se queixar de Deus, retirar a sua culpa e subsequentemente atribui-la a Deus pelo destino que lhes reserva. “Quando essa metáfora é usada em Jeremias 18, ela se refere à habilidade do oleiro de mudar sua ideia inicial sobre a massa de barro especifica, dependendo de como o barro se comporta. Não se afirma que o modo do barro se comportar depende de Deus, de fazê-lo comporta-se assim (I. Howard Marshall, Teologia do Novo Testamento, p. 292). Armínio entende que na passagem supracitada, três coisas são consideras. Sendo duas delas, de forma explícita e uma de forma implícita, mas que se encontra entre as duas explícitas. Ele escreve:

“Primeiro, é necessário que um homem deva existir e seja um vaso. Segundo, é necessário que antes que ele possa ser um vaso de ira ou de misericórdia, ele deva ser um vaso de pecado, isto é, um pecador. Terceiro, que ele deve ser um vaso de ira ou de misericórdia”[16].

Paulo ao utilizar a expressão vaso, segundo Armínio, expressa a ideia que Deus não apenas criou o homem, mas ele o criou para um determinado fim; este fim seria a glória de Deus, algo que é expressando nas Escrituras; isso significar dizer que “Deus fez o homem para a Sua própria glória, isto é, não que Ele devesse receber glória do homem, mas para que Ele pudesse demonstrar Sua própria glória de uma forma muito mais distinta, pelo homem, do que por Suas outras criaturas”[17]. A demonstração da glória de Deus manifestaria não apenas a bondade de Deus, mas também a sua justiça, sabedoria e poderio. Devido a sua bondade ele comunicaria a si mesmo; a justiça prescreveria a regra para essa comunicação; a sabedoria, como ela poderia e adequadamente possivelmente ser feita; e seu poder, que Ele devesse ser capaz, de fato, de comunicar a si mesmo. Portanto, o homem – e nele o resto da humanidade – seria um vaso – instrumentos adequados – para demonstrar a justa bondade de Deus, ao abençoa-lo se ele vivesse em justiça, como também a sua ira, ao puni-lo se caso transgredisse os seus mandamentos. Armínio resume seu entendimento quando escreve:

“A partir disso, torna-se evidente qual é o verdadeiro sentido daquelas coisas que são aqui propostas pelo apóstolo, a saber, que Deus tem o poder de fazer os homens da matéria não formada e de estabelecer um decreto que lhes diz respeito, de pura escolha e prazer de Sua vontade, sancionada por certas condições, de acordo com as quais Ele faz alguns vasos para desonra e outros vasos para honra; e, portanto, o homem não tem nenhuma razão justa para replicar contra Deus porque Ele tem, por Sua vontade irresistível, feito a ele para ser endurecido, uma vez que a persistência no pecado intervém entre aquela determinação da vontade e o real endurecimento; por conta da qual obstinação, Deus deseja de acordo com o mesmo prazer de Sua vontade, endurecer o homem por sua vontade irresistível. Se alguém disser que Deus tem poder absolutamente ou incondicionalmente para tornar um homem um vaso para desonra e ira, ele fará a maior injustiça à Divindade, e irá contradizer a clara declaração da Escritura”[18].

Armínio faz questão de frisar por diversas vezes que o homem pecou, e fez-se um vaso mau, isto é, um pecador, ademais “com nenhuma concordância da cooperação divina para esse resultado[...]”. Outra coisa que é importante frisarmos, trata-se sobre a execução do decreto, conforme a vontade-livre e irresistível de Deus, que corresponde aos vasos da Ira e endurecidos. Segundo a Armínio a execução desse decreto não toma lugar até depois, que o homem, o tendo-se tornado pecador, tornou a si mesmo digno da ira.

Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? (V. 22-24)

Nenhuma outra explicação poderá ser dada a comparação/exemplo que o apostolo se utilizou, a não ser a que ele declara nos versículos 22-24. Paulo procura enfatizar que os endurecidos são objeto da ira divina – a expressão “esses vasos de ira [...]” encontra-se no genitivo de destino – ou seja, Deus direciona a sua ira aqueles que já são, de fato, vasos de ira. Não é o endurecimento do homem a causa da ira de Deus, mas a ira de Deus é a causa desse endurecimento. Por isso, os judeus não poderiam encontrar injustiça em Deus, nem tão pouco poderiam cogitar a ideia de que nos endurecidos não havia culpa, pois, conforme Armínio salienta: “Ele não pode endurecê-los, a menos que eles já tenham, por sua própria culpa, se tornado vasos da mais justa ira de Deus. A Escritura toda ensina que o endurecimento é o efeito e o sinal da ira divina. Por isso, a pergunta “Deus pode ficar irado com os endurecidos?” – é tola”[19]; A expressão “preparados para destruição” – se interpretada corretamente – ressalta justamente isso [20].


Voz Média ou Passiva?


O verbo ’Preparados’ (Gr: κατηρτισμένα) se interpretado na voz média, expressa a ideia de que os vasos que são objetos da Ira de Deus, prepararam-se a si mesmo para destruição (tendo preparados a si mesmo para destruição), em detrimento na voz passiva, que expressaria a ideia de que Deus os prepara para destruição (tendo sidos preparados por Deus para destruição). Primeiro, é importante ressaltarmos que vários sínodos condenaram como heréticos algumas interpretações “contemporâneas” baseadas na perícope 22 de Romanos 9. Carlos A. Vailatti comenta: (1) A noção de que os perdidos se perdem pela vontade de Deus e de que Deus destina uns à morte e predestina outros à vida foi condenada pelo Sínodo de Arles (473 d.C.); (2) A crença de que algumas pessoas tenham sido predestinadas ao mal foi anatematizada pelo II Sínodo de Orange (529 d.C.); (3) A doutrina da dupla predestinação, defendida por Gottschalk de Orbais (808-867 d.C.), foi repudiada pelos Sínodos de Mainz (848 d.C.) e de Quiercy (849 d.C.); (4) Finalmente, a ideia de que Deus predestinou a malícia (o mal) nos seres humanos foi rechaçada pelo Sínodo de Valença (855 d.C.). Os ensinamentos alistados nos itens 1 a 3, em especial, talvez com algumas ligeiras variações, são muito semelhantes a determinadas doutrinas ensinadas em nossos dias”; Em segundo lugar, no período dos pais da igreja, a interpretação comum era o verbo (katertismena) na voz média, Vailatti escreve: “No período dos pais da igreja, os “vasos de ira” de Romanos 9:22 foram identificados com “os não crentes” que “não quiseram arrepender-se” (Ambrosiastro – 366-384 d.C.?); aqueles que se tornaram tais vasos “por sua própria vontade” (Crisóstomo – 347-407 d.C.); aqueles que receberam “os merecimentos da impiedade anterior e oculta” (Agostinho – 354-430 d.C.); “os que têm a vontade pessoal de viver como vasos de ira” (Constâncio – 405 d.C.?) e, finalmente, aqueles que “abundando em seus próprios pecados, se converteram em vasos dignos de ira, preparados por si mesmos para a sua perdição” (Pelágio – 354-420 d.C.)”. Aparentemente, esse era o mesmo tipo de entendimento de Irineu de Lião (135-202 d.C.) e Basílio de Cesareia (330-379) ao escreverem, respectivamente:

“Ofereça a Ele o seu coração em um estado suave e tratável, e preserve a forma pela qual o Criador te modelou” e “se você, sendo obstinadamente endurecido, rejeitar a operação de Sua habilidade, [...] perdeste, ao mesmo tempo, sua obra e vida”.

“Quando o apóstolo fala de ‘vasos de ira preparados para a destruição’ (Rm 9:22), não imaginemos que exista uma espécie de preparação perversa do faraó, pois então seria mais justo transferir a causalidade para aquele que o preparou. Em vez disso, quando você ouve ‘vaso’, entenda que cada um de nós foi criado para algo útil. É como em uma grande casa, onde alguns vasos são de ouro, alguns de prata, alguns de barro e alguns de madeira (2 Tm 2:20). A livre escolha de cada um fornece a semelhança no material”.

E por fim, mas não menos importante, há um grande número de Autores que defendem o verbo ‘preparados’ na voz média. Vailatti escreve:

Os autores Arndt e Gingrich, em sua famosa obra A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature (uma obra de referência internacional no estudo do grego do NT) dizem que o verbo katertismena de Romanos 9:22 pode estar na voz média, significando, portanto, “tendo preparado a si mesmos para a destruição”. O Dicionário Vine, de modo semelhante, ao comentar a respeito do significado do verbo grego katartizo, em Romanos 9:22, declara que “aqui a voz média significa que eles mesmos ‘se prepararam’ para a destruição”. Wiersbe, em seu comentário sobre o sentido de katertismena, assevera, de modo análogo, que “o verbo está naquilo que os gramáticos chamam de voz média, tornando-o um verbo de ação reflexiva. Então, deve-se ler: ‘prepararam a si mesmos para a destruição’”. Kaiser, após ponderar sobre qual seria a tradução mais adequada de katertismena em Romanos 9:22 (se na voz passiva, se na voz média), conclui que “a ideia reflexiva da voz média é a escolha correta aqui”. Hobbs, entendendo o referido verbo na voz média, comenta que “Deus mostrou muita paciência para com aqueles que, através do pecado e de corações endurecidos, fizeram-se vasos de ira preparados para a destruição”. Ironside, ao aludir aos vasos de ira, de Romanos 9:22, explica que “eles deliberadamente se prepararam para a perdição”. Dunn lembra-nos que “o ‘ser preparado’ para a destruição não foi inteiramente ou unicamente a ação do divino oleiro. Como ele [Paulo] argumentou tão claramente em [Romanos] 1:18-32, a ira de Deus vem sobre a rebelião do homem, sua rebelião precisamente contra o seu papel de criatura”. De acordo com Franzmann, “Paulo [...] não disse que Deus cria os homens para serem vasos de Sua ira, que Ele condena os homens à ira desde a eternidade. [...] A ira de Deus não é um movimento primordial de Sua vontade, em eterno equilíbrio com Seu amor; a ira é a reação de Deus à culpa dos homens”. Hendriksen, admitindo a possibilidade de que katertismena esteja na voz média, declara que “aqui, no versículo 22, as próprias pessoas – em cooperação com Satanás – foram os agentes ativos” de sua preparação para a destruição. Por fim, Stott, ponderando sobre o significado de Romanos 9:22, diz que “ele [Paulo] descreve os objetos ou vasos da ira de Deus simplesmente como preparados para destruição, prontos e maduros para isso, sem indicar, contudo, o agente responsável por tal preparação. Deus certamente nunca ‘preparou’ ninguém para destruição; não seria o caso que estes, em sua própria opção por praticar o mal, tenham preparado a si mesmos para tal?”. Estas obras, entre outras que poderiam ser mencionadas, apontam claramente para a plausibilidade da tradução de katertismena na voz média, perspectiva esta que parece ser condizente com o contexto imediato e amplo de Romanos 9.”[21].

Assim sendo, e conforme Armínio ressalta, o modo de endurecimento é a “paciência e brandura” (Lat. patientiam et mansuetudinem, “paciência e delicadeza”), e não a ação onipotente de Deus que não pode ser resistida. Isso é expressado nas palavras “suportou com longanimidade os vasos de ira”. Isso corrobora com o que já mencionamos anteriormente nas “considerações quanto ao endurecimento de faraó” (pág 30), pois, Deus suportou com grande paciência não apenas Faraó, mas toda a nação do Egito. Da mesma forma Deus suportou pacientemente a nação de Israel se arrepender dos seus pecados ao longo de toda a sua História, mas isso não aconteceu (Lucas 13:34), discorrendo assim vários juízos da parte de Deus e o derramamento de sua ira à nação de Israel, ou seja, Deus o entregou à destruição e ao exílio. Portanto, Paulo, além de se utilizar do termo suportou (Gr: Aturou, tolerou) acrescentou os termos, com muita (Gr: πολλή) longanimidade (Gr: μακροθυμία). Desejando enfatizar a incrível e inacreditável paciência de Deus para com os tais – os vasos de ira). Não obstante, Armínio comenta:

“Não é o decreto, pelo qual Deus determinou endurecer os vasos de ira, pertencente à vontade que não pode ser resistida?”. Isso é realmente verdade. Mas uma coisa é Deus usar o ato onipotente de Sua própria vontade para efetuar o endurecimento, e outra coisa para Ele é determinar por essa vontade que Ele endurecerá os vasos de ira. Pois, nesse caso, o exercício da vontade é atribuído ao decreto de endurecer e não ao ato; entre os quais a diferença é tão grande que é possível que Deus deva, por Sua vontade irresistível, fazer um decreto com relação ao endurecimento dos vasos de ira por Sua paciência e longanimidade”[22].

Assim, Paulo deixa estabelecido que Deus, de fato, decidiu manifestar não apenas a sua ira, mas também o seu poder naqueles que são considerados vasos de ira preparados para a destruição. A expressão “Deus querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder[...]” diz respeito a clara vontade de Deus em demonstrar a sua ira. Esse desejo diz respeito à espontaneidade da santidade divina e a ferocidade do todo poderoso contra o pecado (Rm 2:5; Ap 19:15) e “isso faz sentido com o carácter de Deus, o desejo de executar seu juízo santo. Deus deseja justamente manifestar a sua ira santa contra o pecado e isso pode ser visto em toda a Bíblia, bem como ao longo da carta aos Romanos”[23]. Armínio comenta:

“e, assim, eles são descritos [como aqueles] em quem Deus iria mostrar a Sua ira e poder, de modo que todos eles pudessem abranger juntos, em si mesmos, as justas causas da ira divina. Pois Ele não está irado com eles, a menos que eles já tenham se tornado vasos de ira; nem Ele, quando, por seus próprios méritos, eles foram preparados para a destruição, imediatamente, de acordo com o Seu próprio direito, leva a cabo a Sua ira na sua destruição, mas Ele os suporta, com muita longanimidade e paciência, convidando-os à penitência e esperando por seu arrependimento; mas, quando, com um coração endurecido e não sabendo como se arrepender, eles desprezam a longanimidade e a paciência de Deus, não é de se admirar que mesmo a bondade mais misericordiosa de Deus não fosse capaz de contê-lo no exercício da Sua ira, para que, quando a ira exigisse que a justiça devesse prestar a ela seu próprio e mais alto direito, Ele não parecesse ignorá-la”[24].

É importante frisarmos que a paciência de Deus possui uma finalidade de levar as pessoas ao arrependimento (Rm 2:4; 2Pe 3:9), e levando em consideração o contexto do capítulo 9[25], “os presentes objetos da ira de Deus em Romanos 9 são os mesmos objetos de sua paciência em Romanos 10:1-15; 11:25-32. Dessa forma, a destruição final mencionada em Romanos 9 é resultado da não crença na justiça de Deus revelada em Cristo”[26]. Entretanto, para aqueles que não despreza a paciência como também a longanimidade de Deus, a estes Deus demonstra as riquezas de sua glória (Rm 2:4 e 11:12), tornando-se assim, vasos de misericórdia, e esses vasos não são apenas Judeus crentes em Cristo, mas também os gentios.

Após resumir toda a explicação da comparação de Paulo através de um outro Silogismo de refutação[27], Armínio, encerra a sua carta escrevendo: “Se alguém me mostrar que essas coisas não estão em conformidade com o sentimento de Paulo, eu estarei pronto para dar a questão por vencida; e, se alguém provar que elas são incompatíveis com a analogia da fé, eu estarei pronto para reconhecer a falha e abandonar o erro”[28]. Segundo Vailatti, este último parágrafo com o qual Armínio encerra a sua carta endereçada a Gellius Snecanus é redigido na forma de um poema, que, segundo Nichols, ficaria assim: “Se algum homem me mostrar Que eu com Paulo estou a discordar Com prontidão me absterei De meu próprio sentido, e o seu reterei: Mas se, ainda, alguém mostrar Que na fé um golpe mortal desferi Com profundo pesar meu pecado irei assumir / E buscar meu erro reparar”. (Cf. NICHOLS, William. The Writings of James Arminius. Apud: BANGS, Carl O. Armínio: Um Estudo da Reforma Holandesa. [Trad. Wellington Carvalho Mariano]. São Paulo, Editora Reflexão, 2015, p.231).















Notas
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[1] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 64.
[2] Ibid. pág, 64.
[3] Ibid. pág, 65-66.
[4] (Lat. duae in Deo [...] voluntates sibi invicem contrariae)
[5] Ibid. pág, 68.
[6] Ibid. pág, 72.
[7] Ibid. pág, 74.
[8] Ibid. pág, 75.
[9] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 99-100.
[10] Ibid. pág, 100.
[11] Ibid. pág, 99.
[12] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 76-77.
[13] Ibid. pág, 77-78.
[14] Ibid. pág, 79.
[15] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 101.
[16] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 86.
[17] Ibid. pág, 87.
[18] Ibid. pág, 95-97.
[19] Ibid. pág, 104.
[20] Para Daniel Gouvêa, não há problema em aceitar o verbo na voz passiva (Foram preparados por Deus). Ele escreve: “Encarar o verbo como voz passiva parece ser o mais natural”.  Apesar das implicações que alguns calvinistas interpretam do versículo 22 em favor da dupla predestinação – sendo ela simétrica ou assimétrica – Daniel Gouvêa salienta “[...] outros, como, Harrison, Hodge, Sheed, Morris e Murray, são mais reticentes. Ao referir-se aos vasos preparados Murray, por exemplo, diz: “Não é necessário nem apropriado pensarmos que toda a preparação mencionada no versículo 23 antecedeu a chamada propriamente dita. A chamada divina seria antes o início do processo preparatório”. Ainda Morris menciona: “Paulo está dizendo que Deus criou pessoas, e que essas pessoas se tornaram pecadoras, e que Deus então lida com esses pecadores”. (Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 105)
[21] Todas as citações realizadas dos comentários de Vailatti foram retiradas do link: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1568972153259596&id=891083714381780, (Um  Estudo Sobre o Significado de Romanos 9:22; Em Defesa da Voz Média). A leitura desse estudo e imprescindível, pois, além dos argumentos supracitados, ele também passa a discorre sobre os motivos gramaticas e contextuais que favorece a interpretação na voz média, além de comentar as objeções de Daniel B. Wallace feitas em sua obra: “Gramática Grega: Uma Sintaxe Exegética do Novo Testamento” a essa visão. Não inserir esse conteúdo neste E-book para evitar alongar-me sobre o tema.
[22] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 105-106.
[23] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 103.
[24] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 108-109.
[25] Paulo no capítulo 8 de Romanos, após, no capítulo 7, ressaltar o quanto é frustrante a tentativa de observar e viver pela lei, revela o poder da santificação que permite aos crentes em cristo, desfrutarem do ministério do Espírito Santo, que dá segurança de vitória na vida prática cristã. Paulo, de forma introdutória, apresenta isso no capitulo 6. “Diante de tamanho benefício declarado ao cristão no capítulo 8, os capítulos 9-11 tornam-se urgentes, pois como fica o povo judeu nessa questão, uma vez que em sua maioria estavam rejeitando a mensagem do evangelho proclamado por Paulo e se estribando no seus próprios méritos e descendência abrâamica? E se o povo Judeu, que era o povo de Javé, estava sendo rejeitado, por que os cristãos não haveriam de ser também?” (A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 49-50). O fato é, que, para uma melhor compreensão do capítulo 9 de Romanos, é necessário a leitura dos capítulos 10-11, pois estes três capítulos estão unidos e a partir deles, o apostolo Paulo se utiliza para defender que Deus é justo na presente rejeição de Israel. Por isso Daniel Gouvêa escreve: “é de suma importância relacionar o capítulo à luz de toda a epístola, bem como à luz dos capítulos 10 e 11, pois do contrário será obtida uma compreensão inteiramente não paulina do texto” (Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 13).
[26] A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 106.
[27] Armínio, por duas vezes, afirma a beleza da retórica argumentativa de Paulo a objeção dos Judeus. E essa beleza poderá ser vista e lida quando Armínio expõe por meio de silogismo todo o argumento de Paulo em sua carta à Gellius Snecanus nas páginas 109-111
[28] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 112.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Uma Interpretação de Romanos 9 na Cosmovisão Soteriológica Arminiana (Part 4)





Nas postagens anteriores comentamos os versículos 1-13. Nesta, estaremos comentando os versículos 14-18. Recomendamos ao querido leitor a leitura das postagens anteriores para uma melhor compreensão[1].


Que diremos, pois? A Injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! (V.14)


Paulo antes mesmo de lançar qualquer argumento mostrando que não havia injustiça da parte de Deus “após estabelecer o fato de que Deus escolhe ou rejeita na base do seu próprio chamado, e não na base de mérito ou descendência Abraâmica, como firmemente acreditavam os judeus”[2] antecipa um afervorado Não! "De modo nenhum! (Gr: μὴ γένοιτο)". A objeção levantada pelos Judeus se seguiria a partir, segundo Armínio, dos exatos antecedentes:

“Deus, na palavra da aliança e no propósito, que é de acordo com a eleição, abrangeu somente aqueles que poderiam ser filhos da promessa, que deveriam crer em Cristo, à exclusão dos filhos da carne e De onde segue “que aqueles dos judeus foram rejeitados, os que em seu zelo pela justiça da lei, não creram em Cristo, e, além disso, que aqueles dos gentios que buscavam uma participação na justificação e salvação pela fé em Cristo, foram recebidos na aliança. [...] Assim sendo, Se Deus odeia os filhos da carne e os exclui da aliança, mas ama os filhos da promessa, e os conta na descendência, abrangendo-os na aliança, e isto, de fato, de Seu mero propósito, sem consideração às obras, então segue-se que Ele é injusto”[3].

Essa ‘aparente’ Injustiça de Deus poderia ser enfatiza pelos Judeus[4], pelo motivo que ele – Deus – de acordo com o seu decreto conforme o beneplácito da sua vontade quis que assim fosse sem qualquer referência ao mérito/obras humano. Entretanto, o Apóstolo Paulo nega tal inferência de forma imediata procurando enfatizar segundo Armínio que “não devemos de modo algum admitir o pensamento de que há injustiça em Deus, que é justo em Si mesmo, e, realmente, é a justiça essencial, e que não faz e nem pode fazer nada, a menos que a maioria concorde perfeitamente com a Sua natureza”[5]. Portanto, a cerne da questão não está estritamente correlacionado ou ligado ao tema da fidelidade de Deus para com o povo de Israel, mas antes a fidelidade do próprio carácter e pessoa de Deus[6]. A razão da negação enfática realizada por Paulo a conclusão da objeção dos Judeus – Há injustiça da Parte de Deus – é dupla; “primeira, a partir da liberdade da misericórdia divina; segunda, a partir da devida demonstração do divino poder e glória” (Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 52).

Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. (V: 15-16).


Ao fazer referência a passagem que consta em Gn 33:19, Paulo se faz uso do presente perfectivo (Pois ele Diz a Moises) com o intuito de demonstrar que apesar do contexto temporal da referência – ocorreu no passado – ainda falava plenamente ao ouvinte de seus dias. Segundo Armínio, “Nestas palavras está expressa, de acordo com o idioma hebraico, esta ideia: ‘Na escolha e na liberdade da minha vontade está localizado o poder de ter misericórdia de quem Eu quiser”: como também é indicado pela dedução”, Portanto, Ele tem misericórdia de quem Ele quiser ter misericórdia” (versículo 18)”[7]. Picirrili corrobora com o entendimento de Armínio ao Escrever:

“Em outras palavras, ele – Deus – desejava deixar claramente estabelecido que nem Moisés, nem Israel, tinha alguma reivindicação especial sobre si que tirasse o soberano desejo de Deus de Agir como ele Escolhe. Nem vai Ele mostrar misericórdia para com todos eles só porque são israelitas na carne"[8].

Portando, a eleição de Deus está ancorada na sua misericórdia, e diferentemente do que alguns Calvinistas afirmam, a mesma não está ancorada em alguma vontade oculta não qualificada. Deus ele não é Injusto, pois ele age conforme a sua livre-misericórdia, essa é a primeira base utilizada por Paulo e salientada por Armínio. Paulo faz uso da palavra ‘misericórdia’ para englobar todo o peso de sua refutação pois a mesma pressupõe o estado de miséria e pecado do homem e a sua completa inabilidade em guarda a lei “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm 3:24)” como também ao fato de que Deus poderia ter punido o homem de acordo com a sua completa rebeldia e desobediência, contudo como ressalta Armínio:

“era necessário que a misericórdia devesse intervir, a qual deveria perdoar o pecado e organizar uma condição que Ele pode, pelo auxílio da própria misericórdia, ser capaz de executar. O apóstolo afirma que Deus formou dentro de Si mesmo um propósito deste caráter, e isto de Sua mera misericórdia, que era livre (ainda que sob a orientação da justiça) para determinar sobre quem Ele poderia querer ter misericórdia e sobre quem Ele poderia querer não ter misericórdia; a quem Ele poderia querer tornar participante da justificação e da vida, e a quem excluir das mesmas bênçãos”[9].


Assim sendo, a eleição de Deus deriva de sua misericórdia e compaixão; Não obstante, a misericórdia de Deus é livre, porém não arbitrária. Por isso no versículo 16 lemos: “Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia”. Ou seja, “Ele determinou receber os filhos da promessa na aliança, e excluir dela os filhos da carne, e pelo qual Ele propôs que deve permanecer “não das obras, mas por Aquele que chama” não pode ser acusado de injustiça; porque Ele foi movido pela misericórdia apenas. Ele estabeleceu esse decreto em Sua própria mente. Deus poderia, portanto, ser injusto, se Ele privasse alguém da justificação e da vida, ou se Ele exigisse uma condição contrária a aliança firmada na criação.[10]. Armínio resume todo este argumento de Paulo da seguinte maneira:

“Toda esta questão poderia ser tratada silogisticamente: – Se o propósito de Deus de Acordo com a eleição para rejeitar os filhos da carne, mas considerar como descendência, os filhos da promessa, tem como sua causa apenas a misericórdia e a compaixão de Deus; então, segue-se que Deus não pode, de maneira nenhuma, por esse motivo, ser acusado de injustiça; – Mas a causa desse propósito é a misericórdia de Deus apenas; – Portanto, Deus não pode, por conta disso, ser acusado de injustiça”[11].

Comentando sobre o versículo 16, Armínio escreve:

“Quando a vontade e o curso dos homens se opõem à misericórdia de Deus, é certo que a referência seja ao esforço e ao curso de um homem, pelos quais ele espera que obterá justificação e salvação à parte da misericórdia de Deus. Tal, no entanto, é o esforço e o curso daqueles que buscam a justificação e a salvação pelas obras da lei. Quando, também, a misericórdia é, por outro lado, colocada em oposição à vontade e curso dos homens, é evidente que a condição da justificação e da vida, que é a que mais se aproxima em relação à misericórdia, a saber, a fé em Cristo, o Mediador, é ordenada, sendo a outra oposta à misericórdia”[12].

Diante da perícope supracitada, vem em mente a seguinte pergunta: De quem Deus tem misericórdia e compaixão? Daniel Gouvêa de forma extremamente perspicaz responde:

"Embora a ênfase desse versículo seja na livre misericórdia de Deus, sabe-se que nos versos 30-33 e no capítulo 10:1-21, e por toda a carta de Romanos, bem como diversos trechos das Escrituras, Deus dispensa sua misericórdia a todos que têm fé em Jesus Cristo, ou seja, Deus é soberano para salvar ou condenar quem ele deseja; e ele desejou salvar o que tinham fé em Jesus e condenar os que não tinham (o que era o caso dos judeus a quem Paulo tinha em mente ao escrever Rm 9)"[13].

Paulo com isso conclui a primeira base da sua refutação concernente a conclusão da objeção dos Judeus afirmando a liberdade da misericórdia de Deus.

Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. (V:17)

Nos versículos comentados anteriormente (V:15-16), claramente percebemos a ênfase positiva na misericórdia de Deus, entretanto, neste segundo exemplo, o de Faraó, a ênfase é dada ao Juízo de Deus, sendo ela negativa. “De fato, enquanto a misericórdia é um atributo do carácter de Deus que dispensa a todos que ele deseja, endurecimento é um Juízo de Deus aos que resistem a sua misericórdia (V:17-18)[14]. O exemplo de Faraó utilizado por Paulo, procura demonstrar o divino poder e glória sobre quem ele não quer ter misericórdia. Armínio procurando esclarecer os propósitos argumentativos de Paulo ao utilizar desse exemplo comenta:

“Se Deus é livre, pois a simples declaração de Seu próprio poder e a demonstração de Seu próprio nome, levanta, endurece e pune ao Faraó, então injustiça não pode ser atribuída a Deus, porque em Seu propósito de acordo com a eleição, Ele decreta demonstrar Seu próprio poder e glória no justo endurecimento e punição dos filhos da carne; – Mas Deus era livre para fazer o primeiro, como é evidente desta passagem; – Portanto, Ele também é livre para fazer o último, e, assim, Ele não pode, por esse motivo, ser acusado de injustiça”[15].

Ao lermos Êx 9:14-16, percebemos claramente, que devido iniquidade de Faraó como também do seu povo, Deus falou para Moisés que poderia ter estendido a mão para ferir /castigar a ambos; ele – Deus – devido aos pecados de Faraó e do seu povo poderia não apenas Feri-los/Castiga-los, mas também cortá-los (Hb: apagar, destruir, eliminar) da Terra. Não obstante, Deus, através de Faraó, conforme o seu propósito e de acordo com a eleição, decidiu em primeiro lugar, demonstrar o seu poder e em segundo lugar, fazer conhecido o seu nome em toda a terra “[...] para isso te hei mantido, a fim de mostrar-te o meu poder, e para que seja o meu nome anunciado em toda a terra” (Ex 9:16); é importante salientarmos que o poder a  qual Deus procurava mostrar para Faraó possuía uma dupla característica: poder para salvar e poder para julgar. "[...] no episódio de Êxodo, Deus, com o seu poder, salvou o seu povo e com o mesmo poder condenou Faraó (Grant Osborne). Paulo faz referência a esse aspecto duplo do poder de Deus com relação aos crentes e aos incrédulos nos Capítulos 1 e 2 de Romanos, Grant Osborne escreve “Também em Romanos, o poder de Deus salva os da fé (Rm 1:16), e o mesmo poder condena os incrédulos ou resistentes” (Grant Osborne, Commentary of Romans, p. 250). Quanto ao segundo aspecto do propósito que Deus possuía “para que o meu nome anunciado em toda a terra”, Daniel Gouvêa afirma:

“Em várias ocasiões no AT, percebe-se a repercussão que o episódio do Êxodo e das pragas tiveram no mundo de então. Isso pode ser visto, por exemplo, no capítulo nove do livro de Josué, quando os gibionitas fazem menção aos episódios do Egito perante Josué: “Teus servos vieram de uma terra mui distante, por causa do nome do Senhor teu Deus; porquanto ouvimos falar da sua fama e de tudo quanto fez no Egito” (Js 9:9)” [16].

Portanto, Paulo procurava estabelecer aos seus leitores que se por um lado o poder salvífico de Deus era demonstrado no presente momento aos que por meio da fé criam em Cristo, por outro lado, o poder e consequentemente a autoridade de Julgar e condenar os incrédulos também era evidenciado, e não apenas isso, pelo fato dos Judeus estarem rejeitando o evangelho, isso levou a proclamação desse mesmo evangelho através do mundo.

Logo, tem Ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz (V:18)

Armínio deixa bem claro que Deus era livre para demonstrar o seu poder e a glória do seu nome na justa punição de toda e qualquer pessoas, como também fazer isso de acordo com qualquer propósito, na condenação daqueles que por cuja justa condenação ele pode querer declarar o seu próprio poder e a glória do seu nome, entretanto, conforme Armínio frisa:

“Se Deus pode ter misericórdia de quem Ele quer e endurecer a quem Ele quer, então Ele também é livre para formar um propósito de acordo com a eleição, pela qual Ele pode determinar ter misericórdia dos filhos da promessa, mas endurecer e punir os filhos da carne; – Mas Deus pode ter misericórdia de quem Ele quer e endurecer a quem Ele quer; – Portanto, Ele é livre para fazer um decreto, de acordo com a eleição, pelo qual Ele pode determinar ter misericórdia sobre os filhos da promessa, mas endurecer e punir os filhos da carne. Por consequência, também, se Ele deve fazer isso que Ele é livre para fazer, Ele não pode, merecidamente, em absoluto, ser acusado de injustiça” [17].

Logo, conforme o seu propósito de acordo com a eleição, Deus tem misericórdia de quem quer (os Crentes) e endurece a quem lhe apraz (Incrédulos). Essa afirmação é baseada de acordo com a revelação das Escrituras: Dt 5:9-10; 7:9-10; 30:15-18; 30:20; 1 Sm 2:30; Sl 18:25; 34:18; 51:17; Pv 8:17; Is 57:15; Rm 1: 20-32;  Fl 1:28; 2 Tm 2:11. Ademais, conforme Daniel Gouvêa friza: "É importante lembrar que Deus tinha um propósito bem definido do endurecimento do ímpio Faraó, isto é, demonstrar a singularidade de sua onipotência sobre o Egito; fazer dos seus atos um memorial para Israel e as posteriores gerações, e trazer glória ao seu nome. Esses propósitos são semelhantes a mensagem de Romanos 9, pois, observando o contexto maior de Rm 9-11, percebe-se que Deus tem misericórdia daqueles que retornam a fé, e endurece os que se recusam a fazer isso" (Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 94).

Considerações quanto ao Endurecimento de Faraó


No protestantismo, duas correntes soteriológicas[18] são as que mais possuem adeptos, sendo elas: Arminianismo e Calvinismo. Todo o Capítulo 9 de Romanos fazem parte dos maiores debates entre essas cosmovisões e em especialmente a perícope supracitada -  versículo 18. Como o nosso foco é apenas apresentar uma interpretação Arminiana de Romanos 9, não estaremos expondo quaisquer Interpretação Calvinista de tal perícope – apesar que creio que muitos dos leitores as conhecem – assim sendo, seguiremos com as nossas considerações.

É de suma importância destacarmos inicialmente que as palavras da raiz “endurecer”, na teologia Bíblica, dizem respeito a um estado de completa obstinação espiritual, tipifica alguém insensível a Deus, a sua palavra e sua obra, ou seja, tudo aquilo que diz respeito a Deus e o que se relaciona com ele. Portanto, Morris afirma que em nenhum lugar da bíblia – é possível afirmar que Deus tenha endurecido alguém que anteriormente já não tenha endurecido a si mesmo. Partido desse pressuposto é importante notarmos que quanto ao endurecimento do coração de Faraó, “Cinco vezes é dito dele que ele mesmo endureceu, ou tornou pesado seu coração (Êx 7.13; 7.22; 8.15; 8.32; 9.7), antes da vez quando é finalmente dito que Deus o endureceu (Êx 9.12), e mesmo depois disso é dito que ele endureceu a si mesmo (Êx 9.34). Assim ele inicialmente fechou seu próprio coração aos apelos de Deus; ficou mais firme pela resistência obstinada sob os julgamentos de Deus, até que finalmente Deus, como punição por sua rejeição obstinada do direito, entregou-o à sua louca insensatez e afastou seu julgamento”[19].  Isso significa dizer que Deus endurece o coração não de forma inicial, direta, contra o livre-arbítrio da pessoa e consequentemente como sua causa, mas subsequentemente, indiretamente, por meio do próprio livre-arbítrio do homem e como seu efeito, ou seja, conforme escreve Murray “o endurecimento de Faraó, [...], reveste-se de caráter judicial. Pressupõe a entrega ao mal e, no caso de Faraó, particularmente à entrega ao mal de seu auto-endurecimento”[20]. Esta entrega da parte de Deus é afirmada por Paulo quando ele escreve: “Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si [...] Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza” (Rm 1:24,26). O endurecimento realizado por Deus expressa a divina resposta diante da persistente obstinação humana contra ele, e assim é o entendimento de Lucas quando ele escreve tratando sobre a estadia de Paulo em Éfeso na qual ao longo três meses “frequentou a sinagoga onde falava ousadamente dissertando e persuadindo com respeito ao reino de Deus”: "Visto que alguns deles se mostravam endurecidos e descrentes, falando mal do caminho diante da multidão, Paulo, apartando-se deles, separou os discípulos, passando a discorrer diariamente na escola de tirano (At 19:9). Em outro momento Lucas discorrendo sobre a estadia de Paulo em Roma e a sua disputa com alguns Judeus que ali residia, ele afirmou: 

“E alguns criam no que se dizia; outros porém continuaram incrédulosE, havendo discordância entre eles, despediram-se, dizendo Paulo esta palavra: Bem falou o Espírito Santo a nossos pais pelo profeta Isaías, Dizendo: Vai a este povo, e dize: De ouvido ouvireis, e de maneira nenhuma entendereis; E, vendo vereis, e de maneira nenhuma percebereis. Porquanto o coração deste povo está endurecido, e com os ouvidos ouviram pesadamente, e fecharam os olhos, para que nunca com os olhos vejam, nem com os ouvidos ouçam, nem do coração entendam, E se convertam, E eu os cure.  (At 28:25-27). 

Como ressalta Douglas J. Moo, “endurecimento de Deus não faz, então, causar insensibilidade espiritual para as coisas de Deus, mas mantém as pessoas no estado de pecado que as caracteriza”[21], portanto, Conforme Daniel Gouvêa, a palavra “”Edurecer” no corpus Paulinus [...] denota inflexibilidade e insensibilidade para com o evangelho, que impedem as pessoas de serem salvas (Rm 2:5; 11:7; 2Co 3:14; Ef 4:18)”. Sabendo disso, o endurecimento de faraó foi um ato completamente Justo da punição de Deus “Faraó não tinha um bom coração disposto a deixar livremente que os israelitas fugissem. Deus respeitou o livre-arbítrio do Faraó e o entregou a esta condição. Faraó já era orgulhoso, soberbo e ímpio muito antes de Moisés e Arão começarem toda a história. Foram as suas escolhas que o levaram a isso, e não “o conselho secreto de Deus”. Deus não faz o homem ímpio; o próprio homem que se faz ímpio (Ec.7:29) Deus nunca agiu contrário ao livre-arbítrio do Faraó”[22].  Assim sendo, queremos com deixar estabelecido que Deus de fato endureceu a cerviz de Faraó, não obstante, Faraó era o único responsável pelo seu próprio endurecimento; Essa mesma ideia percebemos ao ler Rm 1:24, pois Deus não determinou que os tais cometessem quaisquer atos de impureza sexual, mas sim que, por tanto resistirem à graça, esta graça se afastou deles, de modo que agora eles estão “entregues” a este fim. Em uma conversa bastante informal com Sitri Silas, um grande mestre para mim, ele frizou: "O endurecimento de Deus é sempre reativo, e não ativo. É algo que faz com que ele não aja; assim,  Deus, mais não agiria para esclarecer do que ele agiria para esclarecer" (Rm 1:18-24). Todavia, conforme Douglas J. Moo e até mesmo Piper, está condição não significa um estado irreversível inicialmente  pois pode ser alterada pela misericórdia e graça revivificante de Deus. Concluindo os seus comentários sobre a perícope que estamos discorrendo, Daniel Gouvêa destaca: 

 “[...] é possível afirmar as seguintes questões acerca do endurecimento de Faraó em Rm 9: primeiro, o endurecimento e o juízo mencionados aqui são de cunho soteriológico. Se não fosse este caso, por que Paulo estava tão triste com a situação dos seus patrícios? Segundo, Paulo esperava que nem todos os Judeus endurecidos naquele momento permanecessem para sempre em tal estado de endurecimento (9:1-3; 10:1; 11:11-14, 28-32). Terceiro, assim como Faraó fora resistente até a morte experimentando o justo juízo de Deus, judeus resistentes experimentariam o mesmo. Contudo, não há injustiça da parte de Deus em agir assim (v14), pois, mesmo judeus sendo da linhagem física de Abrão, eram igualmente pecadores, estavam debaixo da ira de Deus (1:18, 2:1) e precisavam de justificação pela fé. Portanto, Deus tem misericórdia de quem quer (crentes) e endurece a quem lhe apraz (incrédulos)[23].



















Notas
____________________________________________

[2] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 85.
[3] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 50-51.
[4] De acordo com Daniel Gouvêa, Paulo faz uso do futuro deliberativo Τί οὖν ἐροῦμεν (Que diremos, pois) para esclarecer um potencial mal entendido (Ibid. pág, 85).
[5] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 52.
[6] Armínio ao desenvolver a sua soteriologia sempre se preocupou em preservar o carácter de Deus acima de tudo. https://lucasamaciel.blogspot.com/2019/04/o-cerne-do-arminianismo-e-o-livre.html
[7] Ibid. pág, 53.
[8] Robert Picirilli, Romans, Pag. 183.
[9] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 55.
[10] Ibid. pág, 55-56.
[11] Ibid. pág, 57.
[12] Ibid. pág, 59.
[13] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 89.
[14] Ibid. pág, 90
[15] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 60-61.
[16] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 90-91.
[17] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 61-62.
[18] As correntes soteriológicas na Teologia não se limita, apenas, ao Arminianismo e Calvinismo. Podemos destacar algumas outras, como: Pelagianismo, Agostinianismo, Semi-Pelagianismo/Semi-Agostianianismo, Tomismo e Molinismo (Convém salientar que cada uma dessas correntes – Até mesmo o Arminianismo e Calvinismo – possui ramificações que lidam com divergências internas).
[19] B. W. Johnson, The People’s New Testament.
[20] John Murray, Romanos, 1ª edição (São José dos Campos: Editora Fiel, 2003), p. 391.
[21] Douglas J. Moo, The Epistle to The Romans, p. 599
[23] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 95-96.