quarta-feira, 3 de março de 2021

Uma Justificação Cristã da Filosofia (Part 1)


A Filosofia, desde os primórdios da Igreja primitiva, sempre exerceu um papel crucial na educação dos crentes e na proclamação de uma cosmovisão cristã em geral e do evangelho em particular. O Estudo da Filosofia foi considerado de fundamental importância à saúde, a vida cristã e a vitalidade das primeiras universidades na Europa, que eram, é claro, cristãs. E nos dias de hoje a filosofia continua - e deve continuar - a ocupar posição de proeminência na vida Cristã. Levando em consideração tais fatos, Willian Lane Craig, na sua obra ‘Filosofia e Cosmovisão Cristã’, lista sete razões “para que a filosofia seja crucial à estrutura, currículos e missão da universidade cristã e para o desenvolvimento de uma vida religiosa consistente”


A Filosofia e a sua relação com a apologética 


O objetivo da apologética é “estabelecer uma defesa plausível do teísmo cristão em face das objeções que lhe são apresentadas, oferecendo evidências positivas a seu favor”. Em 1Pe 3.15, consta o seguinte: “[...] estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês”. Tal passagem é uma ordenança para que nos ocupemos da apologética (v. Jd 3). E a Filosofia auxilia justamente a principal tarefa da apologética. No Antigo Testamento, os profetas se utilizaram constantemente de vários argumentos sobre a natureza do mundo para justificar a religião de Israel. Por exemplo:

  1.  Eles Ridicularizavam os ídolos pagãos por conta de sua fragilidade e insignificância
  2.  Os profetas frequentemente recorriam aos princípios gerais do raciocínio moral para a criticar a imoralidade das nações pagas 

No primeiro exemplo, os profetas procuravam realçar que o mundo era muito grande para ter sido feito por algo tão pequeno. Conforme Willian Lane Craig Comenta: “Argumentos como esse admitem uma posição filosófica sobre a natureza da causalidade; por exemplo, que um efeito (o mundo) não pode advir de algo menos poderoso do que ele próprio (o ídolo). No segundo exemplo, “argumentos como esse utilizam a lei moral natural e os princípios filosóficos gerais do raciocínio moral. 

Da mesma forma, no Novo Testamento, os apóstolos fizeram uso da argumentação e raciocínio filosófico para proclamar Cristo aos incrédulos (Ex: At 17.2-4, 17-31; 18.4; 19.8). Fica evidente, portanto, que tal prática se assemelhava aos profetas do Antigo Testamento. Willian Lane Craig conclui escrevendo: "A filosofia ajuda o indivíduo expondo argumentos sobre a existência de Deus, esclarecendo e defendendo uma concepção abrangente do que é a existência de algo, até mesmo de entidades não-físicas excluídas da dimensão espaço-temporal como, por exemplo, Deus, anjos e, talvez, almas desencarnadas”. Ele também observa que mesmo “Quando uma objeção contra o cristianismo parte de alguma disciplina de estudo, tal objeção quase sempre envolve o uso da filosofia”.


A filosofia e a Contestação 


Se por um lado a apologética envolve a defesa do teísmo cristão, a contestação tem como objetivo criticar e refutar as cosmovisões alternativas de mundo. A filosofia auxilia a igreja na atividade polemista (Contestação); Craig Comenta:

"Por exemplo, no campo da inteligência artificial e da psicologia cognitiva há uma tendência em ver o ser humano em termos fisicalistas, quer dizer, como um sistema físico complexo. Apesar de alguns pensadores cristãos discordarem, o dualismo - A concepção que somos compostos tanto de uma entidade física quanto de uma entidade mental - é o princípio ensinado nas escrituras (2Co 5.1-8; Fp 1. 21-24). Parte da tarefa de um crente trabalhando nas áreas de Inteligência Artificial ou da psicologia cognitiva é desenvolver a crítica sobre a concepção puramente fisicalista do ser humano, e essa tarefa inclui questões relacionadas à filosofia da mente"[1].


A Filosofia e a Imagem de Deus 


O nosso Deus é um ser Racional, e o ser humano possui a mesma característica. Algo que é entendido por parte da maioria dos teólogos é que a imagem de Deus inclui a habilidade em se ocupar do raciocínio abstrato, especialmente nas áreas relacionadas às questões éticas, religiosas e filosóficas[2]. E, Pelo fato do homem ser racional, lhe é ordenado amar a Deus de todo o seu entendimento (Mt 22.37). Sabendo que a Filosofia assim como a religião, são disciplinas que abordam questões essenciais acerca do âmago da existência, “então a reflexão filosófica a respeito de Deus, de sua revelação especial e geral faria parte do nosso modo de amá-lo e de refletir os seus pensamentos”. Por isso, “a filosofia é uma manifestação central da imagem de Deus em nós”.


A Filosofia e a sua relação com a Teologia Sistemática


A filosofia permeia toda a teologia sistemática e atua como sua serva, ajudando no esclarecimento e definição dos seus conceitos. Ressaltando este ponto, Craig escreve: “Os filósofos cooperam na explicação dos diferentes atributos de Deus, ao demonstrar que as doutrinas da trindade e da Encarnação não são contraditórias; ao esclarecer, também, a natureza da Liberdade humana e assim por diante”. Não apenas isso, a filosofia pode auxiliar a entender o que a bíblia nos ensina em várias áreas na qual não é explícita. O filosofo poderá ajudar e expor a luz bíblica sobre temas e questões não mencionadas de maneiras diretas e claras nas escrituras, “fornecendo categorias e análises conceituais que se ajustem à situação e preserve o teor e a substância do ensino bíblico”. O filosofo tem condições de adequadamente converter a linguagem e as doutrinas da bíblia para temas, como por exemplo: ética médica, eutanásia ativa/passiva, seleção genética, inseminação artificial etc.









Notas
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[1] Para uma introdução ao assunto recomendo a obra: "Ensaios Apologéticos; Um Estudo Para uma Cosmovisão Cristã". Ver, Cap 13.
[2] Apesar das dificuldades existentes relativo a definição exata do que significa e seria a expressão "Imagem de Deus" comum a todos os Teólogos. 


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Mitos Sobre o Dispensacionalismo (Part 3)


 

As "Setes" dispensações é sine qua non ao dispensacionalismo

 

Por Incrível que se possa imaginar, ou parecer estranho ao leitor, o dispensacionalismo não é primariamente sobre acreditar em dispensações, ou acreditar em “Sete” dispensações. Isso devido a dois fatores:

Em primeiro lugar, a crença em dispensações é comum a todos os cristãos. O termo grego οἰκονομία “oikonomia” significa: “Administração” e “mordomado”. Em relação a Deus se refere à maneira como ele trabalha e atua com sua criação numa determinada era da história (Ef 1:10). A expressão grega diz respeito “a maneira como o responsável pela manutenção de uma casa dirige as pessoas e assuntos sob sua autoridade”. Consequentemente, como realça Michal Vlach, “Quem não reconhece que a era atual é diferente do novo céu e da nova terra por vir?”. Por ser comum aos cristãos, e por diversos teólogos antes do dispensacionalismo terem enfatizado várias dispensações nos planos de Deus, a crença em dispensações não pode ser uma característica distintiva do dispensacionalismo. Obviamente dispensacionalistas se tornaram famosos por apresentar complexos gráficos que mostravam e especificavam em detalhes os “propósitos de Deus na História”, como por exemplo, Clarence Larkin; “Isso ocorreu tantas vezes que a ideia de “gráficos” muitas vezes acompanha o título “dispensacionalismo” na mente de muitos”, não obstante, como Vlach frisa, “os dispensacionalistas não foram os primeiros a inventar os mapas das dispensações. Vários teólogos mapearam as várias atuações de Deus na história”. Isto posto, por conseguinte, o dispensacionalismo não trata do reconhecimento da palavra grega “οἰκονομία”. Vlach escreve:

“Em última análise, qual estudioso erudito que não acredita que “oikonomia” é um termo bíblico? Reconhecer a palavra “oikonomia” não torna uma pessoa dispensacionalista, nem a definição desse termo nos revela a essência do dispensacionalismo” (Dispensacionalismo, Crenças essenciais e mitos comuns; pag, 88).

Por essa razão Feinberg, na sua obra, “Continuidade e Descontinuidade”, salienta que é um grande erro acreditar que o termo “dispensação” e o ensino “sobre as diferentes ordens da administração divina” surgiu apenas no pensamento dispensacionalista; como também é um outro erro acreditar que o termo “aliança” explica a essência da teologia da aliança, pois assim também não ocorre no dispensacionalismo: “definir o termo ‘dispensação’ não define mais a essência do dispensacionalismo”. 

Em segundo lugar, tradicionalmente o dispensacionalismo tem sido vinculado à crença em “sete” dispensações; Scofield foi quem popularizou tal crença por meio da sua Bíblia de Estudo Scofield. No entanto, outros, são adeptos de quatro[1], oito dispensações, ou outro número qualquer. Portanto, Vlach comenta: “Eu não acredito que é necessário sustentar sete dispensações para ser um verdadeiro dispensacionalista.  Feiberg está correto quando afirma: “o número de dispensações não está no centro do sistema”. Ele conclui ratificando:

"O Estudo das dispensações é um esforço digno, mas eu não acredito que as questões sobre a quantidade de dispensações que existem e como cada uma delas deve ser denominada estão no coração do sistema dispensacionalista".

Curiosamente é digno de nota que autores como Charles Ryrie, Jhon Feinberg, Craig Blaissing e Darrell Bock que se preocuparam por meio dos seus escritos em realçar características definidoras e essenciais ao dispensacionalismo, jamais fizeram menção a ideia de que a crença em “Sete” dispensações fosse algo que estivesse no âmago do Dispensacionalismo[2].

 

As Crenças Básicas que estão no centro do Sistema Dispensacionalista 


Para Michael Vlach, um dos principais proponente do dispensacionalismo, seis crenças básicas estão  no centro de tal sistema, sendo elas:

1: O significado primário de qualquer passagem Bíblica é encontrado na própria passagem. O Novo Testamento não reinterpreta ou transcende as passagens do Antigo Testamento de modo a sobrepor ou cancelar a intenção autoral original dos escritores do Antigo Testamento;

2: Os tipos existem, mas Israel não é um tipo inferior que é suplantado pela igreja;

3: Israel e a Igreja são distintos entre si, assim, a Igreja não pode, por direito, ser identificada como novo/verdadeiro Israel;

4: A unidade espiritual na salvação entre Judeus e Gentios é compatível com o futuro papel funcional de Israel Como uma nação;

5: A nação de Israel será tanto salva como restaurada com um papel singular e funcional em um futuro reino milenar sobre a terra

6: Existem vários sentidos para "semente de Abraão", e assim, a identificação da Igreja como "semente de Abraão" não cancela as promessas de Deus para os crentes Judeus "semente de Abraão" (Dispensacionalismo, Crenças essenciais e mitos comuns; pag, 144).

 




  

Notas

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[1] Vlach entende que 4 dispensações são claramente identificáveis, sendo elas: (1) Adão até Moisés; (2) Moisés até Cristo; (3) A primeira vinda de Cristo até a sua Segunda Vinda de Cristo; (4) O Reino de Jesus após a sua segunda vinda. Convém salientar que independentemente de quantas dispensações for defendida por um dispensacionalista, a salvação sempre ocorrerá unicamente pela graça, por meio da fé.

[2] Pretendo escrever uma série de artigos enfatizando as características essenciais do dispensacionalismo. Cf. a seguir.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Mitos Sobre o Dispensacionalismo (Part 2)




A Salvação sem Senhorio é algo intrínseco ao Sistema Dispensacionalista

A Teologia do não senhorio pode assumir diferentes formas, mas geralmente é caracterizada pela tese de que o arrependimento e a submissão da vida da pessoa a Cristo, não são necessárias para que haja a salvação. Na obra "A Layman's Guide To The Lordship Controversy", Belcher enumera 6 principais características da teologia do não senhorio, sendo elas:

  1. O Chamado para a salvação e o chamado para o discipulado são distintos;
  2. O crente pode escolher entre produzir ou não produzir frutos espirituais em sua vida;
  3. A falta de frutos espirituais não é sinal de que a pessoa está perdida;
  4. O arrependimento não é uma condição para a salvação;
  5. O conceito de senhorio não é uma condição para salvação mas deveria seguir a experiência de salvação pela fé;
  6. Aqueles que possuem uma verdadeira fé Salvadora podem viver habitualmente em pecado ou mesmo apostatar da Fé.
Gerstner, afirma que o Dispensacionalismo é a causa direta do surgimento da Teologia do não senhorio, não apenas isso, ele também assevera que o Dispensacionalismo declara e aceita que: "[...] uma pessoa pode ter Cristo como Salvador, mas recusa aceitá-lo como Senhor em sua vida". Não obstante, a teologia do não senhorio além de forma alguma ser algo inerente ao dispensacionalismo, a mesma não é resultante dela. Vlach se utiliza de dois argumentos para provar tais fatos ao explicar, em primeiro lugar, que o dispensacionalismo por se tratar primeiramente sobre eclesiologia e escatologia não permite necessariamente quaisquer tipo de conexão entre o tema do senhorio, pois o mesmo faz parte e é um assunto soteriológico. Realmente alguns dispensacionalistas defendem ou possuem claras tendências ao nao senhorio, contudo Vlach ressalta que dispensacionalistas, como por exemplo Saucy, questionam quaisquer tipo de ligação histórica entre a teologia do nao senhorio e o dispensacionalismo ao escrever: "A posição radical do não senhorio de alguns dispensacionalistas contemporâneos, negando a necessidade na salvação de uma 'fé que opera' baseada em Tiago 2. 14-26, nunca fez parte do dispensacionalismo tradicional ou clássico" (The Case for Progressive Dispensationalism). Em segundo lugar, vários Teólogos dispensacionalistas de liderança - incluindo o próprio Vlach - rejeitam explicitamente a visão de não senhorio. Juntamente com Saucy e MacArthur, Vlach tece críticas as obras de Zanes Hodges "The Gospel Under Siege" e Absolutely Free", as quais são, "promoções explícitas da teologia do não senhorio". Estranhamente Gerstner chega a citar Jhon MacArthur contra dispensacionalistas que aderem a teologia do nao senhorio, "No entanto a lógica nesse caso é estranha. Gerstner  menciona o dispensacionalista Jhon MacArthur para mostrar que a visão do não senhorio alegada pelo dispensacionalismo é errada. Porém, em vez de provar o ponto de Gerstner , seu uso de Jhon MacArthur mostra que há diversidade dentro do dispensacionalismo nessa questão e que não há conexão inerente entre o despensacionalismo e a teologia do não senhorio" (Michal J. Vlach). Portanto, uma coisa é você discutir o que tem levado alguns dispensacionalistas aderir tal visão, outra coisa é afirmar e defender que tal teologia é resultado do dispensacionalismo ou é algo inerente a ele.

O Dispensacionalismo está essencialmente ligado ao Antinomismo 

Uma das principais acusações lançadas por vários críticos, como por exemplo: Gerstner, Curtis Crenshaw e Grover Gunn, é a de que o dispensacionalismo está inerentemente ligado ao antinomismo [1]. R.C Sproul, prefaciando a obra de Gerstner "Wrongly Divinding The Word of Truth", escreveu: "Uma das acusações mais sérias que Gerstner faz ao dispensacionalismo é a de que o seu sistema é inerentemente antinomista". O termo antinomismo vem da junção de duas palavras gregas αντί (Contra) e νόμος (Lei). Robert D. Linder conceitua o Antinomismo da seguinte maneira: "A doutrina de que para o cristão não é necessário pregar e/ou obedecer a lei moral do AT". O Antinomismo Teologico é "frequentemente associado ao endosso de um comportamento sem lei" (Robert A. Pyne). Michael Vlach, fazendo referência a obra de Gerstner, apresenta o cerne do argumento a favor da premissa de que o dispensacionalismo é antinomista: "Gerstner acredita que o dispensacionalismo é antinomista por causa de sua afirmação de que o cristão não está sob a lei mosaica, e por sua alegada falta de "compressão das doutrinas de justificação e de santificação da Reforma"". Ou seja, No entendimento de Gerstner o dispensacionalismo como sistema ressalta que "as pessoas podem ser justificadas sem se tornarem santificadas. E isso claramente induz o crente a serem "carnais"". Devido a isso, ele escreve: "todos os dispensacionalistas tradicionais ensinam que pessoas cristãs convertidas podem de fato (não apenas tem permissão) viver em pecado durante sua vida após conversão, sem qualquer risco para o destino eterno delas"; portanto o dispensacionalismo está "comprometido com a doutrina inegociável do antinomismo". Entretanto, Vlach esclarece que "ao contrário do que Gerstner afirma, muitos dispensacionalistas consideram uma conexão inseparável entre justificação e santificação. E muitos não aceitam que uma pessoa possa ser justificada sem também ser santificada. Não só não existe nada dentro do dispensacionalismo que faça com que um dispensacionalista separe justificação de santificação, mas muitos dispensacionalistas vem à justificação e a Santificação como inseparáveis" (Dispensacionalismo, Crenças essenciais e mitos comuns; pag, 88). MacArthur, Donald G. Barnhouse e Alva J. McClain são muitos autores dispensacionalistas proeminentes que fazem coro com Michael J. Vlach nesse entendimento. Em segundo lugar, é correto afirmar que os cristãos hoje não estão sob a lei mosaica, todavia eles não estão sem lei! Os não dispensacionalistas caem em tal erro ao sustentar que os dispensacionalistas rejeitam a "lei moral". Curtis Crensshaw e Grover Gunn na obra "Dispensacionalismo Today, Yersterday, and Tomorrow" escreve: "há um antinomismo inerente ao dispensacionalismo [...] Rejeitar a lei moral, especialmente a lei moral do AT, resulta em um número de consequências. Eles tendem a rejeitar a ideia de que Cristo agora governa pela sua lei (ou, Aliás, qualquer lei) como rei dos reis, alegando isso para um futuro Milênio. Isso, por sua vez, os leva a rejeitar o seu senhorio sobre a salvação e sustentar que se pode ter fé sem obras (a ideia do Cristão carnal). Ou seja, como muito bem resume Vlach "Para eles, os dispensacionalistas rejeitam a lei moral de Deus e consideram que os cristão estão livres para agirem carnalmente". Sobre isso Feiberg comenta: "Alguns argumentam que o dispensacionalismo impõe o antinomismo, visto que os dispensacionalistas alegam que a lei foi abolida, porque Cristo é o fim da lei (Rm 10:4). Embora alguns possam sustentar esse ponto de vista, dificilmente ele é a norma ou os dispensacionalistas precisem dele". (Feinberg, Sistemas de descontinuidade). Logo, como frisa MacArthur, dizer que o Antinomismo está no cerne da doutrina dispensacionalista é um tremendo mal-entendo e consequentemente um erro. É importante salientar o que Vlach tece: "Não estamos negando que certos dispensacionalistas tenham tendências antinomistas (mesmo que não saibamos de algum dispensacionalistas que esteja defendendo uma vida sem lei). Negamos porém, que o próprio dispensacionalismo seja inerentemente antinomista. Um sistema primariamente voltado para a eclesiologia escatologia não pode necessariamente conduzir ao antinomismo". Assim sendo, Vlach conclui: "A afirmação de Curtis Crensshaw e Grover Gunn de que o dispensacionalistas rejeitam a "lei moral" é uma deturpação daquilo que os dispensacionalistas creem". A questão é que estamos sobre uma nova Lei - A Lei de Cristo, através da qual são comunicadas as lei morais de Deus. Strickland e Blaising elucida que a lei de Cristo é normativa nos dias de hoje para o cristão, assim como a lei mosaica era para o judeu. A lei mosaica foi substituída pela lei da nova aliança, ou seja, a lei de Cristo é a contraparte da nova aliança para a lei mosaica. Portanto, O dispensacionalismo de hipótese alguma possui o antinomismo como algo inerente/sine qua non/ ao seu sistema. Acertadamente Millard Erickson discorrendo sobre o dispensacionalismo reforça que a: "lei moral está em pleno vigor[...] embora seu conteúdo exato possa variar". Logo, Feiberg observa que: "Os dispensacionalistas afirmam que o crente está sob a lei de Cristo como descrita no N.T. Como no caso do código mosaico, a lei de Cristo personifica os princípios Morais de Deus eternamente verdadeiros, os quais são exemplificados Em ambos os códigos. Mas, como um código separado, a lei de Cristo exclui os aspectos cerimoniais e civis do código mosaico. O dispensacionalismo não é nem antinomista nem obriga"(Sistemas de descontinuidade). destarte, três pontos precisam ser elencados: 

Em primeiro lugar, a lei moral do A.T tem o seu paralelo na lei de Cristo; 
em segundo lugar, levando em consideração o primeiro ponto, o crente pode conhecer e deve - a lei de cristo é obrigatória para o cristão - viver a vontade moral de Deus. 
em terceiro lugar, mas não menos importante, conforme realçado por Blaising, um dos maiores especialistas na história do dispensacionalismo, a conexão entre o dispensacionalismo e o antinomismo é extremamente exagerada. " Não estou convencido por Gerstner que o antinomismo foi tradicionalmente compreendido como representante do dispensacionalismo".(Dispensationalism: The Search For Definition).





NOTA
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[1] Há alguns que acreditam que existe algum tipo de "Antinomismo Dispensacionalista". Esse termo encontrei recentemente em uma publicação no Facebook.

domingo, 30 de agosto de 2020

Mitos Sobre o Dispensacionalismo (Part 1)



Os Motivos das Falsas Apresentações

No decorrer da História o Dispensacionalismo tem sido associado a determinadas visões que não faz parte ou não são fundamentais para essa Teologia. Autores como Jhon Gerstner, Hank Hanegraaff, Wick Bowman, Wick Bowman, Robert Reymond, Chad O. Brand, Tom Pratt Jr, Keith A. Mathison, J. I. Packer, Robert D. Linder, Curtis Crenshaw, Grover Gunn, Stephen Sizer, etc, apresentaram o Dispensacionalismo de uma maneira que não é verdadeira ou está seriamente fora de moda. Como ressalta Michael J. Vlach:

“Infelizmente, as discussões envolvendo o Dispensacionalismo são frequentemente acompanhadas por dois erros. O primeiro é o Dispensacionalismo vinculados com assuntos que realmente não estão relacionados ao Dispensacionalismo [...] O segundo erro envolve o tratamento de crenças secundárias do Dispensacionalismo como se fossem fundamentais e de considerar a validade do Dispensacionalismo com base nessas crenças”

Algo que Vlach também entende como sendo uma das razões de muitos não-dispensacionalistas errarem ao avaliar o Dispensacionalismo, é o fato de que a maioria dos críticos não lidam adequadamente com os estudiosos dispensacionalistas mais recentes, enfatizando por outro lado o dispensacionalismo do século XX. Ele frisa: “Um bom Princípio acadêmico é estar ciente tanto de pesquisas antigas quanto de recentes sobre um tópico”. Portanto, quando muitos dos Críticos agem assim acabam caindo no erro de acreditarem que o dispensacionalismo encontra-se congelado desde 1950.


O Cerne do Dispensacionalismo


Como outros sistemas teológicos, o Dispensacionalismo não possui uma relação inerente a todas as áreas da Teologia. A preocupação primária do Dispensacionalismo é com a eclesiologia e escatologia, enfatizando a aplicação da hermenêutica histórico-gramatical a todas as passagens da Escritura contidas tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento. Faz necessário afirmar que é intrínseco ao Dispensacionalismo uma distinção entre Israel e a Igreja como também uma futura salvação e restauração da nação de Israel num futuro reino terreno sob o governo de Jesus Cristo; sendo, portanto, o Messias, a base para um reino mundial que trará bênçãos a todas as nações. Isto posto, passaremos a apresentar os Mitos e falácias que foram e continuam sendo entendidos por muitos como aquilo que realmente encontra-se inerente ao sistema dispensacionalista.


O Dispensacionalismo Ensina Múltiplos caminhos de Salvação. 


Essa afirmação pode ser encontrada nas obras de Wick Bowman, Clarense Bass, John Gerstner, Robert Reymond, Chad O. Brand e Tom Pratt Jr. Contudo, é uma afirmação completamente falsa! Ryrie, em sua obra “Dispensationalism Today”, salienta que os dispensacionalistas anteriores a ele, incluindo o próprio Scofield, nunca pregou múltiplas maneiras de salvação. Ele ressalta que muitos autores dispensacionalistas fizeram afirmações descuidadas, mas que à luz dos debates do seu tempo, com certeza seriam mais cuidadosos em suas formulações. Saucy, acompanhando Ryrie, argumentou na obra “The case for Progressive Dispensationalism”, que muitas declarações de dispensacionalistas anteriores resultaram em tensões não resolvidas, contudo, os dispensacionalistas, a partir de então, tem sido claros em frisar que a progressão das dispensações de hipótese alguma  envolve algum tipo de mudança nos princípios fundamentais da salvação pela graça. John Feinberg junta-se aos autores anteriores e acrescenta que ao contrário do que muitos afirmaram e continuam afirmando, não existe absolutamente nada inerente ao sistema dispensacionalista que leve os seus adeptos a concluírem que as Sagradas Escrituras ensinam Múltiplos caminhos de Salvação, ou até mesmo um único caminho, pelo simples fato de que a Soteriologia não é uma área determinante para o dispensacionalismo; por isso, torna-se algo irrelevante ao sistema dispensacionalista (Tradition and Testament). Além do mais, as distinções entre Israel e Igreja não conduzem naturalmente a tal entendimento. Ele também declara que não existe evidência alguma que qualquer dispensacionalista tenha ensinado que tal distinção necessariamente incluísse ideias de diferentes métodos de salvação para os dois grupos. 


O Arminianismo é algo inerente ao Dispensacionalismo


Antes de tudo é necessário afirmarmos que a Soteriologia arminiana é completamente distinta da Soteriologia pelagiana e semi-agostiniana/semi-pelagianismo[1]. Tal preocupação de evidenciar essa distinção se dá pelo fato de autores não-dispensacionalista erroneamente incluir o arminianismo como algo sine qua non ao sistema dispensacionalista, não apenas isso, associá-lo com os sistemas soteriológicos citados anteriormente como se fossem idênticos ou até mesmo sinônimos.

Autores como Keith A. Mathison, Gerstner, e J. I Packer concordam com o “fato” de que o dispensacionalismo andam de mãos dadas com o Arminianismo. Gerstner vai além ao afirma que o dispensacionalismo é inerentemente anti-calvinista pois nega todos os cincos pontos do calvinismo. Como se não bastasse, teve a ousadia de afirmar que o dispensacionalismo é uma variação do sistema arminiano.

Em primeiro lugar, o sistema dispensacionalista, como já relatamos anteriormente, é preocupado primordialmente com as doutrinas da Eclesiologia e da Escatologia. É importante enfatizarmos que  “Isso não quer dizer que os dispensacionalistas não se preocupam com a salvação. Os dispensacionalistas afirmam que a salvação está baseada somente na graça, somente pela fé e somente em Cristo”(Michael J. Vlach). A questão é que o dispensacionalismo não promove ou prega quaisquer visão soteriológica específica; como Feinberg frisa, a ênfase do dispensacionalismo está em outra parte. Consequentemente,  o dispensacionalismo não faz nenhuma contribuição relevante a doutrina da salvação – Soteriologia; não apenas isso, MacArthur ressalta que “o dispensacionalismo puro não tem ramificações para as doutrinas sobre Deus, o homem, o pecado, ou a santificação”. A prova disto é que Autores dispensacionalistas, como por exemplo: Ryrie, Robert L. Saucy, Blaising, bock, Paul Enns e vários outros, escreveram ou participaram de obras sobre o dispensacionalismo, mas jamais afirmaram em tais obras uma “soteriologia dispensacionalista”; muitos deles dedicaram-se a discorrer sobre o tema da salvação, entretanto, curiosamente, não estabeleceram ou discutiram quaisquer “soteriologia dispensacionalista”. Levando em consideração esse fato, Vlach esclarece que “estas obras de líderes dispensacionalistas são importantes porque elas revelam o que está no coração do dispensacionalismo. É significativo que nenhuma destas obras vincula o dispensacionalismo a alguma perspectiva soteriológica”. Isto posto, Vlach enfatiza que é necessário para aqueles que não são dispensacionalistas realizarem uma distinção entre o que encontra-se no âmago do dispensacionalismo e o que autores dispensacionalistas consideram individualmente; ele conclui destacando: “O erro fundamental daqueles que vinculam o dispensacionalismo com certas visões soteriológicas é o de não prestar atenção a essa distinção”. Feinberg concorda com Vlach quanto ao fato de que muitos dos críticos atacam o dispensacionalismo deixando de realizar tal distinção, mas ele também realça que comumente os não-dispensacionalistas atacam o que eles pensam representar o dispensacionalismo ou algo que é defendido por alguns dispensacionalistas do que à lógica do próprio sistema. Portanto, “[...] nem o calvinismo nem o arminianismo está na essência do dispensacionalismo. [...] Esse assunto não está na essência do dispensacionalismo, porque o calvinismo ou arminianismo são muito importantes com referência aos conceitos de Deus, do homem, do pecado e da salvação. O dispensacionalismo torna-se muito importante no que se refere à eclesiologia e a escatologia, mas realmente não sobre aquelas outras áreas” (Feinberg, “Sistemas de Descontinuidade”, p. 79”).

Em segundo lugar, muitos autores não-dispensacionalistas esquecem do fato de que embora seja significante a presença de teólogos arminianos adeptos ao sistema dispensacionalista, ao longo da história[2] e até nos dias de hoje, há inúmeros teólogos calvinistas de cinco pontos que aderiram ao dispensacionalismo, como por exemplo: David L. Tuner, S. Lewis Johnson, Jeffrey Khoon, John MacArthur, James Oliver Buswell – segundo Vlach, “talvez o erudito reformado mais proeminente a assumir a visão dispensacionalista”, etc. Richard Mayhue destaca: “Alguém pode ser calvinista de cinco pontos e ainda assim ser um dispensacionalista consistente”. Ademais, autores não dispensacionalistas como Vern Poythress, George M. Marsden, C. Norman Kraus e até mesmo Wayne Grudem, destacam a estreita conexão histórica entre o calvinismo e o dispensacionalismo. George M. Marsden afirma: O dispensacionalismo era essencialmente reformado em sua origem no século dezenove e, tardiamente no mesmo século, espalhou-se mais entre os calvinistas de orientação reavivada, na América”. C. Norman Kraus escreve: “as afinidades teológicas básicas do dispensacionalismo são calvinistas”.





Notas

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[1] https://lucasamaciel.blogspot.com/2018/12/o-sinergismo-e-depravacao-total-na.html

[2] https://www.chamada.com.br/mensagens/calvinismo_dispensacionalismo.html



Dedicatória:

Dedicado a Sitri Silas e ao Grupo do WhatsApp: Dispensacionalismo Hoje.