sexta-feira, 15 de maio de 2020

Uma Interpretação de Romanos 9 na Cosmovisão Soteriológica Arminiana (Part 3)



Como fora abordado nos artigos anteriores dessa série[1], neste Capítulo 9 da Epístola aos Romanos, o Apóstolo Paulo contra argumenta uma objeção levantada por alguns Judeus concernente a Justificação pela Fé em Cristo Jesus, somente; concluindo que a Palavra de Deus falhava, pois inúmeros descendente de Abraão – Israelitas Étnicos – estavam sendo rejeitados Por Deus. A cerne do Contra-Argumento de Paulo direcionado a conclusão da objeção realizada por alguns Judeus opostos a “sua Teologia" concentra-se na premissa que a palavra de Deus não falhava e o mesmo nem tão pouco é Injusto, pois a salvação e as bênçãos prometidas a Abraão nunca estiveram condicionadas a descendência física deste Patriarca, muito menos restrita a ela apenas! O Apóstolo Paulo continua a sua sequência argumentativa se utilizando de um outro tipo – e último – no versículo de Número 10, desenvolvendo e ampliando o seu argumento. 


Segundo Tipo Utilizado por Paulo 

E não ela somente, mas também, Rebecca, ao conceber de um só, Isaque, nosso Pai. E ainda não eram gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto a eleição, prevalecesse, não por obras [Humanas], mas por aqueles que chama) (V. 10-11)

O versículo de número 10, como já asseveramos, é uma continuidade do pensamento do Apóstolo Paulo originários nos versículos 7-9, “O uso da conjunção continuativa grega [...] (E) na expressão [...] (e não comente [Ela/Isto]) obviamente sugere tal continuidade de pensamento[...]”[2]. Portanto, de forma inequívoca, o Apóstolo Paulo continua a desenvolver a mesma linha argumentativa o dos versículos anteriores – Deus não é injusto na presente rejeição de Israel, pois ele nunca prometeu Salva todos os Israelitas na base da descendência física de Abraão – se utilizando, agora, de outro Tipo; “Os Judeus de fato criam que, por direito de nascimento e como povo de Deus incontestável e incondicionalmente, seriam salvos. Por isso, há tensão aqui com o evangelho que Paulo pregava, pois a justificação que os judeus pensavam ter por méritos – cumprimento da lei – e descendência física não era possível, senão pela fé em Cristo" [3]. No decorrer da perícope supracitada percebemos a grande capacidade argumentativa de Paulo, pois o mesmo demonstra conhecimento quanto ao fato que os Judeus poderiam concordar com ele concernente a rejeição de Ismael, e até considera-la como Justa, pois o mesmo não era da descendência da promessa como Isaque; entretanto, Paulo com o segundo tipo, busca evidenciar o fato que até mesmo Esaú, sendo filho de Isaque, e da mesma concepção, fora Rejeitado por Deus. O Apóstolo Paulo ao fazer uso da expressão (ao conceber de um só) “refere-se à ideia de uma concepção única. Isso assinala novamente que Jacó e Esaú são filhos dos mesmos pais e até da mesma concepção, e, ainda assim, um foi escolhido e outro rejeitado. Assim sendo, Paulo [...] está asseverando de uma vez, por meio deste exemplo, que [...] (nem todos os de Israel são de fato Israelitas), ou seja, ser descendente físico de Abraão não garante a justificação, pois não somente Ismael (que era filho da escrava) fora rejeitado, mas também Esaú (que era filho de Isaque e Rebecca como Jacó) o fora"[4]. Portanto “[...] Paulo usa o segundo exemplo/Tipo demonstrando que até mesmo descendentes de Isaque, que eram tipicamente da aliança abraâmica, foram rejeitados como no caso de Esaú e Jacó, em que ambos era filhos do mesmo Pai” [5]; Armínio reafirma esses pontos no seu comentário escrevendo o seguinte: 

“Os judeus poderiam objetar contra o primeiro tipo, que não é de se admirar que Ismael, sendo rejeitado, Isaque deveria ser adotado como um filho de Deus, tanto porque Ismael era o filho de uma mulher escrava e Isaque da mulher livre, como porque, antes de Deus ter anunciado a palavra da promessa a Sara, Ismael havia nascido e poderia ter cometido aquelas coisas que o tornaram indigno daquela honra e felicidade. O apóstolo reúne estas objeções, e responde à primeira, que, no caso de Esaú e Jacó, as circunstâncias eram inteiramente diferentes, visto que ambos tinham o mesmo pai e a mesma mãe e nasceram do mesmo parto”[6].

Concernente a esse fato, Paulo se faz uso da expressão “ainda não eram gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal” para ressaltar que o propósito de Deus quanto a eleição é baseado em seu próprio chamado e não em obras ou mérito próprio, da mesma forma a salvação não é por obras ou mérito próprio, e sim, pela Fé; Robert Picirilli comenta: 

“São unânimes as declarações da Bíblia de que a salvação não é pelas obras. Mas, segue-se que não a Bíblia não diz que a salvação é por nada! O que a Bíblia diz é que a salvação é pela Fé”[7].

Armínio escreve: 

"Ele – Deus – tinha formado em Sua própria mente, desde a eternidade, um propósito de comunicar justiça e salvação, não alguém que devesse abranger toda a posteridade de Abraão universalmente, mas que deve estar de acordo com a eleição, pela qual Ele distinguiria entre estes e aqueles, não considerados simplesmente em sua própria natureza, como puro e corrupto, mas no que diz respeito à condição, pela qual a justiça e a salvação fossem aplicadas, como o apóstolo mostra nas seguintes palavras – que este propósito, de acordo com a eleição, permanecesse firme não pelas obras, mas por aquele que chama, em cujas palavras está contida uma descrição dos antítipos, que antes haviam sido dados nas frases “filhos da carne” e “filhos da promessa [...] a partir dessa ideia, parece-me perceptível a razão pela qual Deus colocou a condição do pacto da graça, não em uma perfeita obediência à lei, como previamente visto, mas na fé em Cristo”[8]

Armínio Continua: 

“Se o propósito, de acordo com a eleição, permanece, não pelas obras, mas por Aquele que chama, então segue-se que aqueles que buscam a justiça e a salvação a partir das obras da lei, e pela lei, não são incluídos naquele propósito, mas apenas aqueles que pela fé obedecem a Deus, são prometidos e chamados; – Mas o propósito, de acordo com a eleição, permanece, não pelas obras, mas por Aquele que chama; – Portanto, nesse propósito, eles não são abrangidos, os que são da lei, mas apenas aqueles que são da fé em Jesus Cristo”[9].

Já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço (V 12) 

Quanto a profecia contida em Gênesis 25:23 e citada no versículo de número 12, Deus se referia aos descendentes tanto de Esaú como de Jacó e as respectivas nações que originaria dos filhos destes, sendo elas: Edom (Nação que surgiu a partir dos descendentes de Esaú) e Israel (Nação que surgiu a partir dos descendentes de Jacó). Portanto, Jacó representava a nação de Israel e Esaú a nação de Edom, ao mesmo tempo tal profecia possuía um segundo significado: ‘Jacó tipificava os Filhos da promessa e Esaú os filhos da Carne’. Daniel Gouvêa comentando sobre o versículo 12, afirma: 

“Entendemos que Paulo está usando este exemplo de dois indivíduos para demonstrar sua tese de que não é o direito de nascimento que determina o destino de todo descendente de Abraão, como pensava os Judeus. Em suma, podemos dizer que enquanto Judeus acreditavam que a salvação de todo povo judeu estava irrevogavelmente garantida na base dos méritos e da descendência abraâmica, Paulo usa o conhecido e aceito exemplo da rejeição de Esaú para tornar irrefutável o fato de que os Judeus podem ser rejeitados e que a salvação destes não era corporativa (Baseado na descendência física), mas, antes, individual”[10].

Dessarte, o versículo 12 reafirma que a escolha de Deus se deu antes de qualquer obra realizada pelos irmãos. Deus, segundo a sua vontade, desígnios e projeto, escolheu que as promessas abraâmicas se cumpririam na descendência de Jacó, por conseguinte, Esaú fora Rejeitado. É importante frisarmos a latente semelhança e repetição das ações entre Abraão e Jacó relacionada as suas tentativas e esforços em fazer cumprir aquilo que Deus havia prometido, como também as consequências de tais atos levianos e irresponsáveis. Ao observamos todo o desenrolar da vida de Jacó, percebemos que constantemente por meio de suas obras e conforme a sua vontade tentou fazer cumprir aquilo que Deus tinha prometido a sua mãe: "O mais velho será servo do mais moço"; tais ações resultaram em consequências extremamente danosas para a vida de Jacó – principalmente na sua relação com o seu irmão Esaú. Assim como a promessa realizada por Deus a Abrão não estava relacionada com algum tipo de esforço humano ou mérito, mas apenas de acordo com a vontade daquele que prometeu, da mesma forma a  promessa feita a Rebecca concernente ao cumprimento das bençãos abraâmicas na vida de Jacó não esta relacionada a obra alguma que ele – Jacó – realizasse ou a algum mérito que possuísse, mas sim, apenas, com a vontade de Deus, conforme os seus desígnios e projetos. Jacó compreendeu tudo isso no vale de Jaboque, após Deus ter o ferido na coxa. Deus ao toca-lo, deixara um sinal com fins didáticos para Jacó e através deste sinal, que o seguiria para o resto da sua vida, estava fazendo Jacó entender que toda a sua vida de esforço pessoal e até mesmo a sua resistência a Deus concernente a necessidade de depositar a sua fé nele quanto ao cumprimento das suas promessas, deveriam cessar. Jacó, mesmo sendo herdeiro das promessas que fora realizada a Abrão, lutou e buscou alcança-las através de mérito, força e astúcia própria. Ao ficar incapacitado, a partir de então, ele deveria recorrer apenas a armas espirituais, a oração e a vontade de Deus afim de obter tais bençãos; "sua força foi quebrada para que nele se manifestasse o poder de Deus". As promessas de Deus realizada a Abrão como a Jacó estava relacionada a Fé em Deus quanto ao cumprimento, e não as obras ou méritos. Mais uma vez, mediante esse tipo utilizado por Paulo, percebemos a Justificação pela Fé sendo evidenciada. Assim como a promessa está ligada a fé em Deus quanto ao seu cumprimento e não ao mérito humano ou obras, da mesma forma a Salvação está ligada a Fé em Cristo, e não ao mérito, obras ou descendência Física, como os Judeus assim pensavam.

Como está escrito: amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú (v 13

Existe um grande debate concernente aplicação correta da expressão “me aborreci (Gr: ἐμίσησα ) de Esaú” tendo em vista os seus possíveis significados: Detestar, Odiar, Rejeitar, desprezar, amar/estimar menos. Apesar de muitos interpretes arminianos aplicarem em seus comentários o último significado listado, Daniel Gouvêa entende que não se faz necessário quaisquer suavização da expressão “μισέω”, pois tal suavização não concorda com o texto de Malaquias – o Apostolo Paulo ao se utilizar da expressão: “Como está escrito: amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú”, está fazendo referência ao cumprimento e Julgamento de Deus aplicado aos Edomitas, conforme Malaquias 1:1-4 – tampouco com o de Romanos. Ele – Daniel Gouvêa – leva em consideração o fato que “ao contemplarmos textos como Amós 1:11-12 e Obadias 1-14, que mencionam em que base se deu o julgamento de Deus sobre Edom, observamos que o ódio de Deus é contra o pecado de Edom, e isso concorda muito bem com o caráter santo de Deus, que odeia e pune o pecado, como é citado no próprio texto de Rm 1:18 a 2:1”[11]. Não obstante, sendo Esaú e Jacó tipos, como já fora supracitado, Armínio escreve: 

"Esaú, o mais velho, é o tipo de todos aqueles que buscam a justificação e a salvação pelas obras da lei; – Portanto, todos aqueles que buscam a salvação pelas obras da lei, estão condenados à servidão e são odiados por Deus. Mais uma vez, – Jacó, o mais jovem, obteve domínio sobre seu irmão, e foi amado por Deus; – Jacó, o mais jovem, é o tipo de todos aqueles que, de acordo com a graça da vocação, pela fé buscam a justificação. Portanto, aqueles que, de acordo com a graça da vocação, pela fé buscam a justificação, obtêm domínio, e são amados por Deus”[12]

No que diz respeito a explicação do Tipo e a sua correlação com o Antítipo[13] Armínio salienta: 

“Os judeus que não creriam em Cristoantítipo – foram representados por Esaú – tipo – o mais velho, que estavam buscando, em seu zelo pela lei, a justificação e a vida pela lei, e que, por Jacó – Tipo – o mais jovem, foram representados aqueles JudeusAntítipo  que buscavam as mesmas coisas pela fé em Cristo”[14]
Daniel Gouvêa conclui seu comentário sobre o versículo de número 13 afirmando o seguinte: 

“O que de fato se pode observar aqui é que Deus escolheu um grupo sobre o outro, ou seja, em Gênesis e Malaquias, ele aceitou Israel (descendentes de Jacó), e rejeitou Edom (descendentes de Esaú), enquanto aqui em Romanos, Deus escolhe os crentes e rejeita os incrédulos dentre os Israelitas”[15]

Armínio sabendo das inferências calvinistas em suas interpretações concernente a tal perícope ele escreve: 

“Por isso, é evidente que a questão não se refere apenas à rejeição de alguns e a aceitação de outros, mas à rejeição ou aceitação daqueles que possuem certas características, isto é, aqueles distinguidos por certas qualidades. Por isso, o apóstolo, aqui, não trata do decreto ou do divino propósito pelo qual alguns são eleitos e outros são reprovados, considerados absolutamente em sua própria natureza, seja pura ou corrompida; mas trata de um propósito tal que inclui aquela descrição de eleger e reprovar, que é aqui claramente observada naquele propósito pelo apóstolo”[16]









Notas
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[2] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 78.
[3] Ibid.
[4] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 77.
[5] Ibid.
[6] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 33. 
[7] Robert Picirrili, Romans, p. 178.
[8] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 35-36.
[9] Ibid. pág, 39. 
[10] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 81.
[11] Ibid. pág, 82.
[12] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 42-43.
[13] Armínio respondendo quanto ao fato de Isaque, Jacó, Ismael e Esaú serem tipos nas escrituras como também a explicação e aplicação desses tipos realizada por Paulo, ele escreve: "se alguém inquirir, "Por que Deus deseja que Ismael e Esaú sejam tipos dos filhos da carne, mas Isaque e Jacó, os tipos dos filhos da promessa?”, eu respondo – Porque era adequado por causa da relevância e da concordância entre o tipo e o antítipo; em relação ao primeiro tipo, de que aquele que nasceu da mulher escrava e da carne deveria ser o tipo dos filhos da carne, mas que aquele que nasceu da mulher livre e da promessa, quando a carne, agora, havia se tornado infrutífera, deveria ser o tipo dos filhos da promessa; mas em relação a este último tipo, que aquele que nasceu primeiro, deveria prefigurar os filhos da carne e que aquele que nasceu por último, os filhos da promessa. A razão será manifesta àqueles que consideram o acordo entre tipos e antítipos". (Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 48-49).
[14] Ibid. pág, 41-42.
[15] Gouvêa, Daniel; A Soberania de Deus na Justificação: Uma abordagem Bíblica, Exegética e Teológica de Romanos 9; pág, 82.
[16] Vailatti, Carlos Augusto; Jacó Armínio-Uma Análise de Romanos 9; pag, 43-44.